Review de Perigosa Tentação | Não se sinta tentado a ler a novela

Batman
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A obscuridade é tida como um elemento crucial na produção de um roteiro. Crucial para o desastre. Nossa resenha, hoje, será feita da novela “Perigosa Tentação”, escrita por João Carvalho Netto e exibida pela emissora TVN.


Para iniciar, gostaria de formalizar o comentário inicial, lido anteriormente. A obscuridade é tida, para roteiristas e críticos textuais, como falta de clareza no texto. Vários são os fatores que levam a esse erro, mas, dentre eles, três se destacam: frases excessivamente longas, má pontuação ou linguagem rebuscada. Mas e quando o texto reúne as três características? É o caso de “Perigosa Tentação”.

Não, não é que João Carvalho Netto seja o ser mais utente de linguagem rebuscada; pelo contrário, João não escreve rebuscado, mas o que escreve é tão (para quem conhece, a fonte Wingdings – aquela, cheia de símbolos ­–, no Word, explica bem) longe de uma fala padrão, que você acha-se, realmente, numa obra de ficção. E põe ficção nisso!

Meu querido Coringa disse, uma vez, aqui, em crítica, que sentiu falta da verossimilhança em determinado roteiro. E se ele estava certo, o ato voltou a se repetir. Voltou, porque “Perigosa Tentação” não é algo tátil, próximo do leitor; é algo muito distante. E essa distância ocorre, também, por má organização durante o texto e prolixidade, que é o ato de utilizar mais de uma palavra para transmitir a mesma ideia. Por exemplo: “As duas se cansam e ficam ofegantes (cena 21)”.

Além disso, podemos fazer uma equivalência lógica com o primeiro capítulo da novela e seus estreantes:
  1. Robô é uma máquina;
  2. Todo robô que fala, fala como uma máquina;
  3. Todos os personagens falam como máquina;
Conclusão:
Todos os personagens são robôs.
Todos os personagens são robôs: “Ah, não seja radical!”. Não estou sendo. Ou você vê Orlando, um milionário, que acabou de receber um prêmio (e está indo embora sem a festa ao menos acabar), dizer a um repórter: “Bom, caro rapaz... A hora de tirar foto já acabou. Como você deve estar percebendo, agora estou me retirando da festa pra ir a um lugar que você nem queira saber”. Além do erro de concordância, ali, percebemos que só um milionário robô daria satisfações de sua vida a um fotógrafo/repórter! E, pior, além de dar satisfações, o repórter ainda tira sarro da cara de Orlando, na sequência, e ele dá-lhe um murro, por achar “invasão” da parte dele. Alô, nexo?

A história da novela resume-se em: uma mulher descobre que seu grande amor, cuja história é recente, está traindo-a. Como represália, mata-o junto da amante, que, por sua vez, era mulher do tal Orlando, já citado. Ambos se unem em parceria e, além disso, dispostos a um esquema de tráfico de órgãos.
Até aí, daria um bom enredo para série, mas como o autor preferiu encaixar no gênero das novelas, deveria ter aproximado o leitor, que é brasileiro, de seu gênero mais próximo, a novela!
E, inclusive, esse gênero distingue-se dos ramos das séries por, justamente, apresentar um enfoque maior no enredo tido como “pilar único”, e não no desenrolar de sub-histórias dentro da história (os chamados “núcleos”). Mas onde estão, João?

Além disso, o Londres da novela ficou muito longe de ser Londres. Citei, acima, que gostaria de uma apresentação de nossa nação – mesmo que por outros núcleos. Pois bem... João restringiu-se à Londres. Mas onde está Londres? Não senti. Além disso, os traços brasileiros em Rebecca, em Orlando, são tão frios, que não se justifica, no final do capítulo, a revelação de que são brasileiros e que retornarão ao país. Faltou um conectivo muito importante: arremate. Sabe, aquele que o pedreiro, que você tanto chama de pobre, usa pra tapar alguns detalhes mal feitos ou melhorar a estética? Pois é. Por não ter, a novela ficou que nem final de obra sem arremate: cagada.

Por exemplo: “Não... Eu só quero descansar... Tive um longo dia, e o que eu mais quero é poder me deitar em minha cama, e acordar apenas amanhã, e de preferência bem tarde!”.
Por que não: “Não... Eu só quero descansar. Tive um longo dia”? Tão mais fácil, limpo, claro, evidente!

Enfim. A novela é mais série que o formato adotado; embola muito; causa a obscuridade textual – e nem tanto a que o autor desejou, que seria dar medo com aquelas cenas frias, que mais dão nojo de pensar –. É tanto lixo acumulado, que se fizesse uma revisão, sairia, de texto limpo, umas oito páginas.
Ademais, gostaria de fazer um comentário extra: não sei quem edita o capítulo, mas no meio do roteiro tem uma carta – que eu não entendi bulhufas – com a fonte tamanho vinte! Há alguém cego entre nós?
Outro detalhe que me incomoda são aqueles letreiros feitos em programa de computador e colocados lá, indicando a data ou posicionando o leitor temporariamente. Não existe um recurso de roteiro chamado LETREIRO (dois pontos)? Ele é útil para isso. Veja um exemplo:

LETREIRO: Londres, 1978.

“Perigosa Tentação” leva nota 5,0, pois esse deve ser o número de páginas que eu consegui entender do capítulo. Inclusive, que contou com diversos ajudantes na preparação do texto e coescritores. Imaginem se não houvesse?
Finalmente, desejo melhoras nas produções do autor; estudo da estrutura do roteiro, enredo e dramatização. Além disso, quero deixar claro que roteiro é feito de DETALHES. Sem detalhes, não há roteiro que preste.

Como a review anterior, esta review também possui um traço de sexo selvagem. Confira a fala no capítulo:

"Com a arma apontada para frente, ela olha pelo buraco da fechadura. A mulher (cabelos ruivos, olhos azuis e profundos, completamente nua) geme e quica em cima de Rafael, que também geme de prazer." (NETTO, João Carvalho).
Até mais.

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