Review | A Flor do Sertão é boa, mas sofre com a falta de sintonia

Cristina Ravela
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Trama rural passada na década de 90 tem leitura agradável, mas alguns problemas foram notáveis.

Ano passado, recebi nesta humilde redação a presença do autor Ari Rodrigues, cuja trama "O Império Decadente" foi criticada duas vezes em suas duas versões. Não, ele não veio acertar as contas comigo. Medo. Ele me pediu uma review de sua novela: A Flor do Sertão.



A Flor do Sertão, para o meu susto, é de 2016 e foi exibida pela emissora TV Mix. Resolvi aceitar o pedido e saber se o autor melhorou desde aquela trama de época. Vamos descobrir?

A Flor do Sertão teve Nathália Dill e Domingos Montagner no elenco

Para o meu desagrado, não encontrei sinopse. Nem onde afirmava ser o link da bendita, na verdade, era só o capítulo de estreia.



Pois bem, li alguns capítulos e pude traçar uma sinopse dentro dessa minha cabeça cheio das noias: A trama se passa em 1993 e conta a estória de Regina (Nathália Dill), uma moça pobre, nascida e criada no Piauí e que tem forte personalidade.

Certo dia, indignada com as atitudes grosseiras do poderoso coronel Ramiro (Domingos Montagner), ela enfrenta-o como ninguém. Ramiro é um cabra ruim, suspeito de ter matado seu rival nos negócios, Herculano, e agora planeja acabar com a moça. Regina ainda é invejada pela irmã Francisca, metida e vilanesca.

O decorrer da trama teve alguns momentos dramáticos para o lado bom e ruim.

PONTOS NEGATIVOS

  • Faltou colocar o nome "Legenda" antes de destacar a localização e o ano da trama;
  • Não vi descrição dos personagens. Só depois que fui descobrir que o Ramiro era o saudoso Domingos Montagner;
  • Houve um momento em que dois diálogos de um mesmo personagem foram abertos em sequência. Não é necessário. Se o personagem continua a falar, mas você quer dar um espaço de tempo, use rubricas (Tempo / José encara Bento);
  • Narração literária é ótimo...pro gênero literário. A cena 5 do capítulo 1 em que nos é apresentada a Aurora, filha de Ramiro, revela uma narração desnecessária para o campo de roteiro:
"A menina que acaba de acordar é Aurora, filha do coronel Ramiro. A jovem que é atormentada pelo mesmo sonho há anos, desde que sua mãe faleceu. Sandra, a governanta da casa, entra no quarto de Aurora, assustada após ouvir o grito."

Não foi mostrado o sonho e a ordem da cena está deslocada. O ideal era já abrir a cena no grito da garota ainda na tela escura, por exemplo. Depois, Sandra entraria no quarto. 
  • Cenas estranhas

No capítulo 3, Bento chega em casa cansado e se joga no sofá. Mal respira e ele já se levanta, lembrando do compromisso com Regina:

CENA 04: CASA DE BENTO/SALA DE ESTAR/INT./NOITE 
Bento chega em casa. Cansado, ele se deita no sofá. 
BENTO: Pai, cheguei. 
Instantes depois, Bento se levanta e vai até a porta. 
BENTO: Pai, vou encontrar na casa da Regina, viu.Volto daqui a pouco. 
Sem respostas, Bento fica intrigado. 
BENTO: Pai? Pai? Cadê o senhor?

O cara estava cansado, avisa que chegou e, instantes depois...PÁ! Vai sair de novo. Nera melhor ele ter chegado, chamado pelo pai e ido atrás? Só acho.

  • Cenas que poderiam ser substituídas
CENA 02: PRACINHA/EXT./MANHà
Trilha sonora: Bela Flor – Maria Gadú 
Amanhece no Vilarejo Serra Branca. São mostradas as casas de barro e a pracinha do local. O close vai pra uma estradinha. 
Não é necessário repetir o cabeçalho durante a narração; fica redundante. E já que o foco é a estradinha, o autor poderia ter indicado o Vilarejo no cabeçalho no lugar da Pracinha e descrito os locais, como a pracinha e as casas de barro. Em seguida, dá um corte para a ESTRADINHA, assim mesmo, em letras maiúsculas.

  • Falta de sintonia nos diálogos

RAMIRO (gritando): E por que eu ia obedecer a uma empregadinha? 
REGINA (gritando): Porque o senhor é rico, tem terra e um mundo de gente pra trabalhar pra ti? Não, isso não faz do senhor melhor do que ninguém. Isso te faz pior do que todo mundo que tá aqui agora. O senhor não tem coração, O SENHOR É UM NOJENTO!


Eu não sei vocês, mas eu achei bem estranho. Fugiram do ritmo. Quer dizer que para Regina, Ramiro teria que obedecê-la simplesmente porque ele é rico, tem terra e um mundo de gente para trabalhar para ele?
Ok, eu estava esperando um "Porque você não é melhor que ninguém para achar que só por ser rico e bla bla pode maltratar os outros".


  • Um furo de roteiro?

Na trama, Maria e José, pais de Regina e Geraldo, são tão pobres que nem farinha mais tem no armário. Pobreza, gente, pobreza. Só que mesmo assim a Regina parece feliz, planejando casamento com o Bento, só de boas. José não consegue mais comprar fiado, mega visado nas mercearias, trabalhando feito condenado pro coronel, mas tudo bem para a Regina. Tudo bem para todos. Não têm o que comer, gente! Como vivem? Como sobrevivem? Aonde isso vai parar, Braseeel?!


  • Um nome foi trocado durante o 3º capítulo
CENA 11: CASA DE BENTO/QUARTO DE RENATO/INT./NOITE 
Bento ajuda Renato a se deitar na cama. 
BENTO: Pai, isso não é normal. Vou chamar o médico!
RAIMUNDO: Eu tô bem, meu filho. Não foi nada! Só esqueci de tomar o remédio. 

  • Roteiro sem termos técnicos



Sabe aqueles termos comuns encontrados em roteiros: corta para, tela escurece, fade in, fade out, fode com (mentira, esse não existe. Ainda)? Então, eles não aparecem na trama de Ari Rodrigues. Apesar de integrar os pontos negativos, só reparei quando terminei a leitura.

Isso prova que, dentro do contexto de roteirização, os termos técnicos podem ser importantes, mas não cruciais a ponto de serem julgados pela sua ausência.  É mais fácil julgar pelo excesso, já que transições em todas as cenas caíram em desuso. Usa quem quer, mas o texto se torna pedante e sem a fluidez que qualquer texto pede. Precisamos acompanhar a evolução.

PONTOS POSITIVOS

  • Diálogos bons em vários momentos, com linguagem regional, que acho muito viável;
  • O enredo com a mocinha pobre e destemida que tira a paciência do poderoso da cidade é boa, rendeu boas cenas;
  • Não encontrei erros gramaticais que merecessem destaque. Não somos graduados em letras, não é? E nem precisamos para identificar algo que atrapalha a fluidez da leitura. Parabéns ao autor!
Quero destacar uma cena que, certamente, se Domingos Montagner estivesse vivo, faria muito bem na TV:

Toco fica tenso com a reação de Ramiro, que se apoia no balcão e força um contato olho no olho com o comerciante, amedrontando-o. 
RAMIRO: Muito cuidado com o que tu for falar, seu Toco… Esse negócio de sair falando coisa que não sabe direito é muito perigoso, viu? Um piscar de olho e eu te faço perder muita coisa… Esse barzinho vai ser a primeira coisa que tu vai perder… Só avisando, viu? 
Só acho que reticências sai caro para disparar 3 vezes no mesmo diálogo. Acho válido somente a última.

Enfim, A Flor do Sertão é uma trama rural interessante, com o típico coronel dono da porra toda, a mocinha destemida, o padre (pedófilo), a garota que quer vida boa, mas é paupérrima, e o bonitão, que de cara, parece um cara legal, mas depois vacila: é machista e ciumento.

Só é preciso tomar cuidado com a sintonia dos diálogos bem como as narrações que, dependendo, podem se tornar repetitivas.

Para dar uma nota justa, avaliei 3 fatores (história, enredo e roteiro), atribuindo a eles uma nota de 1 a 5, sendo 1 (péssimo), 2 (ruim), 3 (regular), 4 (bom) e 5 (ótimo).

A Flor do Sertão, portanto, recebe nota média de 3.3. Mais atenção na próxima trama, e sucesso!


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