Review de "Retaliation" | Como não escrever seu roteiro

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"Retaliation" estreou hoje pela novata Rede Purple: a emissora mais badalada das últimas semanas. Promessa pros internautas de todo o Brasil e indicando as medalhas de ouro que o Brasil anda perdendo nas Olimpíadas Rio 2016, "Retaliation", série assinada por Angel Buster, ficou devendo - e muito.

Confira a sinopse, retirada do site:
Atormentados pelo desprezo, a única coisa que resta no coração de Lena, Brian e Susan, é ódio, é o desejo de vingança. Lena era uma garota abusada pelo pai e pelos irmãos [VÍRGULA] que tinha [MORREU?] uma mãe que a desprezava sem motivos. Brian era um garoto mimado, mas que no momento que fez uma revelação à sua família, quase perdeu a vida. Susan era feliz ao lado do pai, mas a madrasta era a pior pessoa do mundo, que a maltratava. Os familiares dos três acabaram com as vidas deles.Juntos, Lena, Brian e Susan decidiram se unir contra aqueles que arruinaram suas vidas.
A história é boa. Com três protagonistas fortes, a tática principal do roteiro seria apresentar esses personagens antes de suas respectivas vinganças e, então, o encontro de ambos. 

Nada que não fosse esperado, a proposta do roteiro foi essa. Entretanto, a falta de maturidade, de bagagem na escrita e manejo técnico podem ter sido os principais fatores que transformaram o roteiro dramático e com forte suspense em um texto falso e sem nenhum ápice.

A primeira cena do episódio monta um flashforward. Esse tipo de recurso serve para fisgar a curiosidade do espectador: a pessoa continuaria assistindo ao episódio para saber o que aconteceu para que o personagem chegasse àquela situação. Mas a primeira cena é algo totalmente descartável: três falas, dos três protagonistas, no meio de um quarto branco, formando uma frase forjada... Nada de interessante para um flashforward (que, só pra deixar claro, não foi explícito ao leitor).

A segunda cena do roteiro é antecedida por um letreiro. Entretanto, os dizeres "ALGUMAS HORAS ANTES..." foram, simplesmente, jogados à tela. Não foram antecedidos do comum e prático "LEGENDA", tornando: "LEGENDA: Algumas horas antes". É preciso entender que não estamos lendo um livro. Um roteiro, mesmo que virtual, fantasia a realidade: o leitor é o diretor do texto; ele precisa saber as coordenadas da câmera, as informações destinadas à direção e tudo o que se espera de um roteiro profissional.

E, a partir de agora, começa o show de horrores. 


O texto mira, com no máximo duas cenas para cada, apresentar os núcleos dos três protagonistas. A primeira é Lena. Seu pai, abusando dela, transforma uma cena chocante, que daria tudo para ter um ar dramático e diálogos fortes, nisso:
CAM foca no rosto de Lena, que chora.
LENA (chorando) - Para, pai. Eu não aguento mais!
STEVE - Espera, vadia! Deixa eu gozar em você, sua putinha!
Lena continua a chorar e gemer de dor, sem prazer algum.
 
Após alguns minutos, ouvimos um gemido de alta entonação de Steve, que, em seguida, retira seu membro de dentro da garota, indicando que o 'serviço' acabou.
É algo tão fictício, que eu me sinto extremamente mal. Será que eu gostaria de estar no meu quarto, com minha pipoca nas mãos, Netflix ligada e vendo uma cena dessas? Não digo do conteúdo, mas da forma que foi apresentada. Uma menina transando com o pai, assim, de súbito. É a segunda cena do roteiro. Mal nos foi apresentada essa família; o caráter das personagens. A cena beirou o ridículo e eu RI. E não me ache um cruel por isso, ache-me uma pessoa sensata; que sabe rir em cenas patéticas e nos momentos mais precisos para tal. Faltou realidade. Ninguém espera uma cena dessas e da forma que foi mostrada. A entrada triunfal, pra mim, seria numa sala de jantar; família sentada e todos serenos; comendo. E um diálogo forte, então, revelaria a família patética que temos à vista. Poderiam entrar flashbacks com as cenas do estupro de Steve à filha e uma grande perspectiva ser dada ao leitor. Aí, sim, seria aceitável.

A terceira cena foi um show de insultos. Palavras de ofensa e humilhações constantes não localizam o leitor e não fazem de seu roteiro um proibidão americano, amigo. Isso não é legal:
DIANA - Venha aqui, garota.
Lena se aproxima. Diana a pega pelos cabelos.
DIANA (grita) - Vadia!
Diana larga Lena e dá um tapa na cara dela, cuspindo, em seguida.
DIANA (grita) - Sua vaca! Vagabunda! Vai lavar a louça, sua puta!
Detalhe: são mãe e filha. E detalhe maior ainda: como nada nos foi apresentado, não sabemos o motivo de tanta raiva. É pra assustar o leitor...
Ou seria tornar o texto mais patético?

Vamos continuando...

Depois de Lena, é apresentando Brian, gay, que está sendo prometido à filha de um magnata da região. Uma das falas de Brian apresenta a seguinte rubrica: "(V.O./pensando)".  Angel, amigo, quando se tem "V.O.", subentende-se que nosso querido personagem já está pensando. Trata-se portanto, de um... De um... Vai, eu sei que você lembra daquelas aulas de Figuras de linguagem! Isso! De um pleonasmo! Esse erro também se repete na cena posterior.

Agora, vem comigo na quinta cena. Sem dúvida alguma, a palavra mais marcante no vocabulário de nosso amigo Angel é: "VADIA".

1) STEVE - Espera, vadia! Deixa eu gozar em você, sua putinha!
2) DIANA (grita) - Vadia!
3) SUSAN - Oi, vadia.
4) AMANDA - Escuta aqui, se você me arruinar, eu acabo com a sua raça, vadiazinha de quinta!
5) LENA – Cala a boca, vadia!
6) AMANDA – O que você estava fazendo aí, sua vadia?!
7) AMANDA – Você vai sofrer antes da morte, vadiazinha de quinta!

Avenida Brasil (2012) explica.
Nos é apresentado, então, a terceira protagonista: Susan. Essa daí quer acabar com a madrasta, Amanda, casada com Daniel, seu pai, que aparece na cena tipo o roteiro da série, bem rápido. O problema é que Amanda trai Daniel. E Susan, por isso, está sempre de olho nela. O problema dessa cena é o mesmo que em outras: falas soltas, parece que jogadas no papel, mal trabalhadas, com o vício do autor - "vadia" - mostrando-se mais uma vez... Enfim, já é o bastante pra qualquer leitor safo perguntar-se: "che cosa sto facendo qui?". Capisci?

Da cena 06 pra baixo, começa a reviravolta dos personagens. Até que foi uma boa ideia, a reviravolta no episódio... But, vários erros estragaram o acerto.

A cena mencionada anteriormente é Lena tentando matar o irmão, que passa a mão na bunda dela por algumas vezes (!).
O irmão caçula de Lena, Lucas - que tem 15 anos - está sentado junto aos pais, no sofá. Lena está levantada, encostada na parede, ao lado do sofá e Dylan, seu irmão mais velho, de 20 anos de idade, ao lado. Dylan coloca a mão na bunda de Lena, que dá um tapa na cara dele, chamando a atenção de todos.
Posteriormente, Lena pega uma faca e vai pra cima do garoto. 

Agora... Lembra do pai dela, que estrelou uma cena linda no começo do texto? Então. Isso, aquele valentão! Ele assistiu, quietinho, como figurante, Lena esfaqueando seu filho, Dylan. Acreditam? Nem eu.

A cena sete é Amanda e Susan brigando. Mais "vadias"... A nove, dez e onze é reservada a Brian, que revela, para a família, sua real sexualidade. E, nessas, o problema foi o mesmo: falta de naturalidade. Algo extremamente seco. Quando dei por mim, o pai do menino já estava espancando-o, nessa cena super detalhada, confere:
Oliver joga Brian no chão. 
OLIVER – Eu vou te matar, seu moleque! 
Oliver começa a dar chutes em Brian, que o deixam dolorido e roxo (ASSIM, NA MESMA HORA?). Em seguida, Oliver pega uma pá e bate na cabeça de Brian, o desacordando. 
E, finalmente, a última cena é uma homenagem a Avenida Brasil - eu sabia, minha gente, que o autor usaria mais alguma coisa, além do "vadia". Trata-se de Oliver enterrando o filho vivo.
Brian acorda em uma cova e vê seu pai jogando terra em cima de seu corpo.
BRIAN (chorando) – Pai... Por favor...
OLIVER – Cala a boca!
Oliver bate com a pá novamente em Brian, o desacordando de novo.
E, infelizmente, "CONTINUA...".

Para terminar, gostaria de relembrar o letreiro anunciado no começo: "ALGUMAS HORAS ANTES...". Mas como nossos protagonistas se encontraram? Como chegaram à cena 01? Um episódio encerra nele mesmo... A exemplo, o flashforward do S01E01 de Breaking Bad... Mais um furo?!

Acho que já disse tudo. Foi um pouco longo, né? Mas eu precisava fazer essa resenha para mostrar a qualidade da tal Retaliation, que de divulgação teve muito; mas, de roteiro, nada. 

Agora, eu achei, realmente, que a Rede Purple seria uma grande emissora, com grandes obras e potencial. Uma pena, né, minha gente? Talvez falte sal, um elemento essencial pra qualquer roteirista que se preze a escrever uma trama com temas tão complexos, como "Retaliation"... E, concluindo, falta bagagem pra Andy; falta mochila; mala; necessaire e quantos compartimentos mais você quiser...

Qualquer dia desses, crio uma escola de roteiros online... Vai que dá certo? 

Até mais.


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