Claramente inspirada na trama principal do clássico Pecado Capital, Obstinação também poderia ser chamada de Organização. Isso porque o seu roteiro segue uma estrutura espelhada, paralela e bem definida. E, isso não é algo ruim.
Obstinação é a mais nova web novela da Ontv. Escrita por Bruno R. Cova e com a direção geral de João Paulo Ritter.
Confesso que nunca havia lido nada do autor e, sinceramente. aguardava mais uma trama superficial, confusa e mal apresentada. Graças a Deus minhas expectativas foram frustradas, pelo menos em parte.
Nas análises de séries ou novelas, eu sempre me pegava reclamando do mesmo problema: a trama parece ser boa, mas foi mal apresentada. Isso não ocorre no primeiro episódio de Obstinação.
Pelo contrário, Bruno utiliza todo o primeiro episódio como uma grande apresentação dos personagens principais.
Nós conhecemos, Auro e Carmem. Um casal honesto, que são batalhadores, extremamente apaixonados um pelo outro, mas que enfrentam uma crise financeira. Auro é taxista que rala bastante. Enquanto Carmen tem uma banca na feira, além de cuidar dos seus dois filhos. Existe entre o casal, muito amor, respeito e apoio, diferentemente de....
Marcos e Isabel. Este casal vive em uma relação fria, distante, e que inclui infidelidade. Apesar de ser bem sucedido, ser presidente de sua empresa, Marcos é corrupto, desonesto e infiel.
A história de fato começa para os dois protagonistas, Marcos e Auro, quando as duas tramas se cruzam.
E é a partir daqui que começo a análise.
Se antes eu reclamei da falta ou da fraca apresentação de algumas tramas, aqui eu não tenho do que falar. Bruno apresento seus protagonistas de forma abundante. Ele utiliza um paralelo alternando entre a trama de Auro e a trama de Marcos.
Como um espelho perfeito, ora vemos Auro amando e sendo amado, para depois vermos Marcos odiando e sendo odiado.
O roteiro segue esse espelho paralelo praticamente pelo primeiro episódio inteiro. Uma hora notamos Marcos em suas relações tóxicas e infiéis, para em seguida refletirmos Auro em suas relações saudáveis e amorosas.
O problema com esse formato é que a trama fica parada. Não há um motor que faça com que as histórias caminhem, resumindo, não há conflito.
Diferentemente do segundo episódio que introduz de fato o conflito central da novela.
O começo, de fato
Não sei se foi proposital, mas narrativamente falando o primeiro e o segundo episódio funcionam como um só episódio.
Talvez tenha sido pela quantidade de páginas? Mas, se analisarmos friamente, como um crítica deve fazer. O primeiro episódio funciona como um grande primeiro ato.
A história para Auro começa quando ele cruza com Marcos, troca de identidade e vai preso. E isso acontece somente no segundo episódio.
A história para Marcos se inicia quando descobrem que ele rouba a própria empresa, lesando os clientes (devem ser os acionistas), e ele decide fugir da polícia entrando no táxi de Auro e forçando uma troca de identidade, pois pasmem, os dois são praticamente idênticos.
Qual o problema disso?
Eu diria que nenhuma, mas a cartilha dos primeiros episódios diz que devemos introduzir o conflito central o mais rápido possível de preferência no primeiro episódio.
Isso ajuda a engajar o público e manter o interesse sobre como aquele conflito irá se desenvolver e como será resolvido.
Sei que a linguagem nas novelas difere um pouco da linguagem cinematográfica, e talvez seja por isso que o conflito central tenha sido exposto no segundo episódio, ainda bem, pois já vi histórias que se estendiam em apresentar seu universo sem deixar claro à que veio.
Não sei se foi por conta da extensão dos episódios, e daí o autor resolveu dividir em dois? Não sei, mas, para um leitor mais apressado e imediatista talvez isso não tenha ajudado.
Obstinação e Organização
Eu confesso que em uma primeira leitura isso me incomodou, mas o que me fez reler e apreciar, foi a organização do autor.
Bruno soube muito bem calcular a estrutura dessa longa apresentação, e isso me cativou. Eu sinceramente, não sabia que as tramas iriam se cruzar, imaginei que isso aconteceria por conta desse paralelo.
Os diálogos seguem o mesmo reflexo. Enquanto Carmen elogia as qualidades do esposo Auro. Isabel rebaixa deixa patente o mau caratismo do esposo Marcos.
As vilãs Catarina e Beatriz são caricatas, mas cumprem bem sua função: entreter e causar o caos. Inclusive as duas são responsáveis por ligar o motor e acionar o conflito que mexe a vida dos protagonistas.
Sim, as descrições em caixa alta não ajudam a leitura. Deixam a página poluída.
Alguns diálogos no começo do primeiro episódio são extremamente expositivos:
Imaginei várias cenas somente com essa descrição, mas, tenho que admitir, parece que o autor ouviu minhas queixas e logo em seguida mostrou tudo isso em cena.
Dialogando...
Vi alguns autores comentando sobre os diálogos engessados da novela Budapeste que inclusive foi analisada pela Felipa.
O que tenho a falar sobre isso é que a questão não é que o diálogo tenha que soar natural, como se fosse alguém falando na vida real. Bem, se isso acontecer, maravilha, mas acredito que o diálogo deva cumprir sua função: expor a personalidade do personagem e levar a trama adiante.
Aqui, Bruno consegue fazer isso sem nenhum problema. Talvez se os diálogos soarem mais naturais dê um plus a mais nessa parte da história que deixa tudo mais evidente.
Só sei que o diálogo não deve carregar a trama nas costas, o que infelizmente acontece muito em novelas. É por isso que é muito difícil analisar novelas com uma régua cinematográfica.
Enfim...
No geral a trama de Bruno Cova tem muito potencial. Se unirmos o primeiro episódio com o segundo teremos um primeiro impacto muito eficiente.
Não desaconselho a reduzir a apresentação da trama. O que posso indicar é que nos começos e nos finais existe uma certa dilatação da paciência em saber o mundo em que se está entrando e em como ele vai ser bagunçado. Então, que nós possamos investir sim, em apresentar bem nossa trama, mesmo que isso custe quarenta páginas de roteiro.
Quem realmente tiver afim de investir, vai ficar. Os apressados podem se retirar. Queremos contar histórias, mas histórias muito bem contadas.
Confesso que ao fim do segundo episódio fiquei curioso pra saber mais, e isso não acontece com frequência. É por isso que eu digo para o Bruno: "Relaxa, seu roteiro é bom e não vai ser massacrado pela crítica".
Por hoje é só!
Nota de 1 a 5:
4.0
