Roteiro em 3 posts | Post 03: A composição

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POST 03 – A COMPOSIÇÃO


A seguir, começo o ÚLTIMO post de nossa série, o "ROTEIRO EM TRÊS POSTS". Leia se estiver, realmente, interessado em praticá-lo. Roteiro não é algo complexo, mas exige treino e, acima de tudo, entendimento. Portanto, os tópicos abaixo estarão disponíveis aqui no Blog e, caso dúvidas brotem, não hesite: vá ao fim do post e deixe-as.

Dramatização III - Ferramentas

A dramatização é o ramo mais importante ao longo de todo um curso de roteiro que se preze. Aqui, porém, trabalhamos em três itens fundamentais para um roteirista, excluindo os temas complementares, vistos em cursos de grande duração. Como vimos nas dramatizações I e II, drama é resultado da combinação dos conflitos + as surpresas. As ferramentas dramáticas são, portanto, recursos que o escritor pode utilizar para expandir os conflitos e lançar as surpresas no texto. A lista de ferramentas, porém, é extensa.

Informação
Quando assistimos ao primeiro Indiana Jones não conhecíamos o mundo, a realidade e as características do personagem que dá nome ao longa. Logo, porém, somos apresentados ao seu lado aventureiro, a sua coragem, ao mundo difícil da época, ao tipo de inimigos e as principais limitações daquele na exploração. Percebemos também, em outro nível, o tipo e o gênero do filme.

Logo em seguida, porém, somos surpreendidos – o explorador Indiana Jones revela o lado ainda desconhecido por nós: também era professor universitário. Trata-se, esta, de mais uma informação, que alarga o nosso conhecimento do personagem e seu mundo.

Mas perceba que um mau roteiro teria lançado, como primeira cena do filme, Indiana exercendo a profissão, numa sala de aula; quando, de repente, um dos alunos questiona seu estilo catedrático. Um bom filme, porém, como é o caso de Indiana Jones, mostra-nos o personagem em ação – não resta dúvidas de que é um aventureiro – para, a seguir, desconstruir as nossas expectativas e mostra-lo a dar aula em uma classe cheia – é professor, e dos bons.

Mas atenção às informações, apresentadas pelo texto (exposição de fatos para maior conhecimento do público):
  • Quanto menos melhor – dê pontos aos expectadores e deixe-os unir. Não faça por ele. Não estamos falando de seres ignorantes.
  • Justificar a exposição – caso você queria explicar, por exemplo, ao leitor, que dada cidade está acabada por conta de um terremoto, faça alguém acordar de um coma e receber essa explicação. Não ponha alguém olhando para a câmera e contando tudo a seu público. Perde a graça.
  • Não precisa justificar tudo – na história de O Exterminador do Futuro, o público não quer saber os princípios científicos e tecnológicos para os descendentes futurísticos. É necessário ao roteirista entender que alguns relatos da ficção ficam na ficção; é desnecessário, por isso, uma detalhada justificativa, envolvendo parâmetros científicos, físicos, químicos e matemáticos que, na maioria das vezes, até o roteirista desconhece.
  • Por prestação – apresente suas ideias e informações aos poucos. Você pode contar uma história com calma, contanto que a torne SEMPRE ágil e movimentada.
Revelações
Todo roteiro que se preze DEVE ter revelações. É o momento em que algo muda e o leitor tem as maiores surpresas. Aqui, a progressão dramática está em alta. Mas, atenção, essa ferramenta deve ser previamente planejada.

No filme Conduta de Risco, o carro do protagonista explode, quase o matando, marcando duas revelações: na primeira vez que vemos a explosão é no fim do TEASER (tipo um “prólogo”, que antecede o ATO I) da estória, dando início ao longo flashback em que vamos conhecer todos os eventos que conduziram até àquele momento; na segunda vez que assistimos à explosão, esta anuncia o fim do 2º ato, lançando a estória para a sua conclusão.

Em Kill Bill, a Noiva descobre que tem uma filha no fim do primeiro filme, ou seja, precisamente a meio da estória composta pelos dois filmes.

Há autores que apostam em duas revelações por ato. Isto não é, obviamente, uma regra, mas é importante perceber que, ao introduzir revelações no decurso da estória, estamos a assegurar a imprevisibilidade, mantendo o espetador inseguro acerca da própria história.

Setup e payoff

Setup e payoff, ou plantar e colher, é a ferramenta que visa introduzir, discretamente, na narrativa, determinados elementos, materiais ou orais, que mais tarde se revelam de grande importância.

Em Pequena Miss Sunshine, sabemos desde o início que é o avô quem está ensinando a dança a Olive e que ambos o querem manter como surpresa. Mas só no final, quando assistimos, finalmente, à dança de Olive, percebemos que as sementes da surpresa já haviam sido plantadas.

Prisões

Criar situações das quais o protagonista não pode sair, mesmo que queira, transforma a história em um navio de pólvora, já que todas as explosões vão acontecer ali, a todo instante, e os personagens devem estar confiantes para saírem delas. Em alguns filmes, essa situação é criada desde o início e inerente à estória. Como exemplo, temos Titanic, em que os protagonistas estão condenados ao destino final.

Bombas relógio

É a introdução de uma contagem decrescente, que pode ser de uma bomba-relógio propriamente dita ou qualquer outro elemento que introduz um limite ao enredo.

Imagine, por exemplo, que este recurso é como um sequestro: o personagem tem de salvar outro personagem, antes que a morte dele (a) aconteça.

Sempre que for possível, de uma forma coerente, introduzir à nossa estória uma bomba-relógio, ou seja, uma contagem decrescente para o fracasso, devemos considerar essa oportunidade.

Os três atos

Toda história tem um primeiro ato; o de Exposição, em que os ingredientes da estória nos são apresentados. Segue com um segundo ato, de Complicação, em que esses elementos são desenvolvidos, combinados e ampliados. E termina num terceiro ato, de Resolução, em que as questões levantadas são esclarecidas e encerradas.

Em suma, alguém quer alguma coisa (primeiro ato); enfrenta dificuldades crescentes para a obter (segundo ato); e acaba por consegui-la, ou por falhar na tentativa (terceiro ato).

No post anterior, trabalhamos isso em PROGRESSÃO DRAMÁTICA. Veja melhor lá. Vamos, então, aos detalhes de cada ato.

1º ATO – Exposição
  • Apresentar o mundo da história (onde se passa, suas locações);
  • Apresentar o personagem protagonista;
  • Apresentar a questão dramática principal, isto é, o objetivo do personagem (vide POST 1 e POST 2);
  • Introduzir outros personagens;
  • Apresentar o GÉNERO (uma comédia romântica, um thriller, um terror...), o TOM (leve ou pesado; real ou surreal...), o TEMA (o que a história procura responder) e o ESTILO (próprio de cada escritor).
2º ATO – Complicação
  • O protagonista começa a tomar decisões de acordo com um plano, que podemos conhecer ou não.
  • Conforme as coisas evoluem e se complicam, e há novas viragens e revelações, ele poderá precisar de rever, ampliar ou trocar de plano. 
  • Os obstáculos e as contrariedades, causadas pelas forças antagônicas, que têm os seus planos próprios, começam a fazer-se sentir em toda a sua dimensão.
  • A complicação – é importante que o roteirista tome cuidado para que não dê complicações ao seu personagem de, absolutamente, fácil resolução. Por isso, há de ter atração entre a complicação e o protagonista. Por exemplo: a gravidez indesejada de uma protagonista é altamente atrativa, visto que não tem resolução fácil. Entretanto, em filmes de terror, por exemplo, temos a questão do “protagonista idiota”, que não foge da casa em que seu antagonista está e acaba morto, por exemplo. A atração é pouca, visto que a fuga seria rápida e bem-sucedida. Por que o autor não o deixa fugir? Porque aí não teria história para contar!
  • Algumas das relações apresentadas no 2º ato dão origem aos enredos secundários que enriquecem a estória, e a completam tematicamente.
3º ATO – Resolução
  • No final do 2º ato, encontramos o protagonista no seu pior momento. É frequente haver nessa fase derrotas, mortes de aliados e outros contratempos. Os obstáculos que surgem são aparentemente inultrapassáveis.
  • 3º ato passa, assim, a ser a narrativa da forma que o protagonista encontra para se reerguer da sua fossa e fazer uma última tentativa para cumprir a sua missão. Isso implica, normalmente, um confronto final com o seu antagonista, no qual é revelada a resposta à questão dramática levantada no ATO I: É O CLÍMAX!
  • No clímax, ficamos a saber se o protagonista alcança ou não os seus objetivos. Há quatro resultados possíveis, dois simples e dois complexos:
    o A vitória clara e objetiva do protagonista.
    o A derrota pura e simples do protagonista - mais rara.
    o A vitória com sabor a derrota.
    o E, finalmente, a derrota que realmente é uma vitória, em que um protagonista se sacrifica pelo bem coletivo, como em Bastardos Inglórios.
  • Além de fechar a estória central, respondendo à questão dramática do filme, o 3º ato encerra também todas as estórias secundárias do filme.
  • Tramas amorosas, por exemplo, só se concluem depois da trama central ser encerrada.
Bem, para finalizar a estrutura, tenho que lembrar a existência do TEASER, que é o ato anterior ao PRIMEIRO ATO e tem a função de apresentar um flashforward, que seja, ou fazer um prólogo à história.


ATENÇÃO! Confira o modelo estrutural:

Clique para ampliar
Entretanto, não se faz regra quanto a essa formatação.

Itens fundamentais

Não coloquei no índice do curso, mas gostaria de fazer esse tópico para explanar itens fundamentais para seu texto.

FLASHFORWARD –
quando a cena é um trecho que só virá mais tarde. Nesse caso, o cabeçalho altera-se:
FLASHFORWARD – INT. CASA DE RITA – DIA.
(...)
FLASHBACK – quando há lembrança de episódios passados por um personagem (cena exibida ou cena não exibida.) Ao fim, usa-se VOLTA À CENA. Repare que não é necessário copiar e colar trecho de cenas passadas no flashback.
FLASHBACK – Rita lembra-se do dia em que Guilherme a beijou.

VOLTA À CENA.
POV (ou PV) – quando o ponto de vista de um personagem é a câmera.
POV DE GUILHERME – observa as pernas de Magnólia.

VOLTA À CENA.
FADE OUT e FADE IN – utilizados ao fim dos ATOS e início dos mesmos; útil, também, para a progressão dramática: ao fim de uma grande descoberta, pode-se utilizar um “FADE OUT", procedido por “FADE IN”. Utilizado, também, ao fim do capítulo/episódio.

CORTE DESCONTÍNUO – trata-se de um corte temporal.
INT. SUPERMERCADO – DIA.

Ana ENTRA.

CORTE DESCONTÍNUO.
Ana chega ao caixa com seu carrinho, lotado de itens. 

Dicas preciosas para seu roteiro

Aconselha-se:
  • Não usar a palavra “vemos”. Ex.: Não “Vemos um carro andando”, mas: “Um carro andando”. 
  • Não usar a palavra “câmera”, no sentido de: “A câmera mostra prateleiras de livros antigos” [...], escrever somente: “Prateleiras de livros antigos” [...]. 
  • Não repita na descrição posterior, informação que já está no cabeçalho. Por exemplo: se escrevermos no cabeçalho: INT. COZINHA – DIA, não escrever durante a cena: João ENTRA na cozinha e bate a porta. Escrever somente: João ENTRA e bate a porta. Aqui, a palavra cozinha não deve ser repetida. 
  • Se desejar escrever “Passagem de tempo”, recorra a um novo cabeçalho, tal como: INT. PALÁCIO/SALA DE ESTAR – NOITE – MAIS TARDE, aonde MAIS TARTE refere-se a passagem de tempo). Ou a um “LETREIRO: MAIS TARDE”. 
  • Use novo cabeçalho, também, quando mudar o LUGAR em que a cena passa. 
  • Não exagere na quantidade de diálogos. Não esquecer de que cinema é uma arte visual. A imagem sempre deve ser mais importante que a fala. Muito diálogo pode causar apatia no espectador (uma vez que ele pode se tornar indiferente quanto ao futuro da história). O diálogo sempre deve ter um propósito definido na trama, levando a história para frente. 
  • CUIDADO! Erros de português SOMENTE em diálogos com justificativa. Isso quer dizer que, em determinado diálogo, escrever: “PAOLA – O que tu quer, mulher? Já não aguento mais esse griteiro!”, é dado como correto, já que é a característica da fala do personagem. 
  • Revise, SEMPRE, seu texto, levando em consideração reescrevê-lo. 
  • Lembre-se que ROTEIRO é aquilo que você consegue ver. Escrever: “Maria lembra-se dos sonhos do dia anterior, por isso chora” não é um recurso de roteiro. 
  • Leia muitos roteiros e busque praticá-los. 
  • Nunca escreva: “Fulano fala:”, mas a fala dele, de cara. 
Hábitos de um bom roteirista...
  1. Os autores produtivos rejeitam a noção de bloqueio de escritor. 
  2. Não falam demais acerca dos seus projetos. 
  3. Acreditam em si mesmos e em seu trabalho. 
  4. Sabem que se passa muita coisa importante na sua cabeça quando não estão a trabalhar.
  5. São apaixonados pelos seus projetos. 
  6. Sabem aquilo em que são melhores.
  7. Leem muito, e com muita variedade. 
  8. Sabem como chegar ao fim de um roteiro.
  9. Param sempre de escrever num momento em que é fácil recomeçar mais tarde. 
  10. Não arranjam desculpas fáceis para não escrever. 
  11. Sabem que não há atalhos, truques mágicos, exercícios especiais ou feitiços para escrever. 
Curiosidades:
  • Segundo a Instrução Normativa 22, Anexo I da Agência Nacional de Cinema (ANCINE), os filmes são classificados segundo um determinado tempo:
    Curta-metragem – tempo máximo de 15 minutos.
    Média-metragem – tempo acima de 15 minutos e máximo de 70 minutos.
    Longa-metragem – tempo acima de 70 minutos. 
  • 1 página da fonte Courier New, 12, nos tamanhos padrão do Celtx, programa de roteiro, por exemplo, tem 1 minuto de duração. Logo, 20 páginas = 20 minutos. 
É isso. Chegamos ao fim do último post de nossa série. Espero que tenha adquirido bons conhecimentos e possa praticá-los muito em breve. 

Bom roteiro para você!

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