POST 02 – ESTRUTURANDO SEU TEXTO
A seguir, começo o segundo post de nossa série, o "ROTEIRO EM TRÊS POSTS". Leia se estiver, realmente, interessado em praticá-lo. Roteiro não é algo complexo, mas exige treino e, acima de tudo, entendimento. Portanto, os tópicos abaixo estarão disponíveis aqui no Blog e, caso dúvidas brotem, não hesite: vá ao fim do post e deixe-as.
Como estruturar?
Para estruturar seu texto, você deverá, basicamente, estruturar sua ideia. A ideia da história, pensada e montada por você antes de pôr as mãos à obra, deve estar concisa e bem justificada. Em outras palavras (e remetendo-nos ao post passado), o importante de sua estrutura é o desenvolvimento da questão dramática.
Uma história comum, clichê, tradicional, esperada e mais alguns adjetivos, que você pode atribuir, consiste em um personagem protagonista, de objetivos múltiplos, mas que tem em seu caminho um personagem antagonista, que utiliza de diversos meios para que aquele não alcance tais objetivos, basicamente. No fim, esses são conquistados e o personagem antagonista recebe a devida punição.
Este modelo, que existe em narrativas de todas os séculos e culturas, está tão gravado no nosso subconsciente que qualquer estória, cuja base é ela, é aceita por nós de forma natural.
Para iniciar a estrutura de seu roteiro, portanto, é esperado que você tenha uma definição clara de sua história aos seguintes tópicos:
- PROTAGONISTA;
- O OBJETIVO DELE (COM AS CONSEQUÊNCIAS, CASO O OBJETIVO NÃO FOR ALCANÇADO);
- OS OBSTÁCULOS PARA CHEGAR AOS OBJETIVOS – esses obstáculos não possuem uma forma pré-definida. Assim, a atribuição a um “pen-drive”, a uma família ou a um temível homem à função, é aceita.
Esses três itens devem estar na logline (ou sinopse sucinta). Observe a logline de Titanic: “Infeliz aristocrata noiva se apaixona por pintor boêmio de classe inferior dentro do Titanic, pouco antes do seu naufrágio.”
Temos que deixar claro, também, que a estrutura de seu roteiro começa pelo título. Títulos já atraem o leitor e já o fazem questionar sobre a trama. A logline, não diferente, tem a função de persistir a curiosidade ao leitor.
Bem, agora que três itens fundamentais estão definidos, é hora de escrever a sinopse, propriamente dita. Trata-se do argumento do texto, isto é, tudo o que irá acontecer em seu decorrer. Costuma-se escrever os argumentos por atos. Observe um exemplo ridículo:
ARGUMENTO:
“Pedro chega em casa, retira os sapatos e dirige-se às escadas, quando Clara, sentada no sofá, pergunta se ele não vai falar com ela. Pedro (...)”ROTEIRO:
INT. CASA DE CLARA – SALA – DIA.
Clara sentada, folheando o jornal.
Pedro ENTRA e tranca a porta. Retira os sapatos e pega-os. Vai em direção às escadas.
CLARA
(O.S.)
Não vai mesmo falar comigo?
Observou? Pois bem, preparar esses argumentos para todos os capítulos/todos os atos de seu roteiro é um tanto difícil, pois acarreta tempo, mas é importante, para que você não escreva seu roteiro às escuras. É, decerto, bastante complexo quando se escreve um roteiro sem saber quais serão as próximas linhas... Mas, atenção: digo sobre as próximas linhas, não sobre as últimas; nenhum roteirista tem obrigação de começar seu roteiro sabendo o final, por mais que essa seja a verdade idealizada.
Portanto, o segundo passo para a estruturação de seu roteiro é estabelecer ideias para o COMEÇO, MEIO e FIM. Claro, através dos argumentos.
Bem, ao longo do tempo, COMEÇO, MEIO e FIM ganharam outros nomes: ATO I, ATO II e ATO III – dos quais falaremos melhor mais tarde. Depois de algum tempo, esses ATOS ganharam justificativas: IDEIA, PROBLEMA e SOLUÇÃO, respectivamente. Dentro deles, então, combinaram-se acontecimentos possíveis e conhecidos:
- O BAÚ ABERTO – popularmente conhecido pela comunidade de roteiristas americanos do fim dos anos 60, o “baú aberto” é quando, no ATO I, a ideia vem à tona ou, em outras palavras, o baú abre-se. É quando, após conhecermos quem é o protagonista, descobrimos a questão dramática (vide post 1).
- 1º PLOT – está no fim do ATO I e começo do ATO II e marca uma atitude importante do personagem em direção ao seu objetivo. É importante, por isso, que se aproveite o decorrer do ATO I não só para apresentar o personagem, mas para mostrar seus planos para chegar em seu objetivo.
- MEDIANA (ou PONTO MÉDIO) – quando algo fundamental acontece (ATO II), que muda os rumos do personagem ou de seus objetivos. Comumente, é aqui que o personagem descobre algum segredo ou sua importância para si mesmo. Em "Pequena Miss Sunshine", por exemplo, é o momento da morte do avô, que faz a família, antes desunida, ficar mais unida.
- 2º PLOT – está no fim do ATO II e começo do ATO III. É aqui que o protagonista descobre que precisa fazer algo (X) para, finalmente, chegar ao objetivo e viver feliz. Aqui, também, máscaras caem e o protagonista deixa de ser o grande “idiota” da história, que pouco age. Entretanto, é o momento de maior crise pro personagem, que vê que nada era do jeito que ele achava.
- CLÍMAX – como o nome propõe, é o culminar da história. O protagonista enfrenta seu maior obstáculo (ou inimigo) para conseguir, finalmente, seu objetivo. Aqui está o final de cada personagem e da história. O protagonista vence ou perde; morre ou sobrevive... Tudo toma um rumo... Ou não.
Aqui, no mundo virtual, as séries predominam-se na estrutura dos três atos. Por isso, perceba que essa estrutura, na série, dá-se de modo distinto – ela pode ocorrer em um único episódio, como acontecer em todos os episódios (ideal para surpresa do leitor).
De forma muito geral, o ATO I ocupa mais ou menos 25% do filme; o II, os 50% seguintes; e o III, os 25% restantes. Hoje em dia, chega-se mais rapidamente ao clímax. Entretanto, é evidente: isso não é regra; você é livre para escrever quantos atos quiser, divididos em quantas cenas ou páginas for de interesse.
Lembre-se, sempre, que formatar seu texto é algo simples. Os três atos, por si só, cumprem todo e qualquer papel: a IDEIA/o PROBLEMA/a SOLUÇÃO.
- Estrutura física do roteiro:
CAPA – Quando fazemos um roteiro, a última coisa que escrevemos é a capa, que deverá incluir as seguintes informações:
Título do filme.
Nome do autor.
Nome da firma ou pessoa a quem se entrega.
Tipo de trabalho: adaptação, argumento ou primeiro roteiro.
O formato: série, filme, novela...
Número de registro de propriedade intelectual ou copyright.
CENAS – Cenas de exposição, de preparação, de complicação, de clímax (obligatory scenes) e de resolução. Por outro lado, temos a...
TOMADA – A unidade da câmera na filmagem.
TAKE – Cinematograficamente é o mesmo que tomada. Começa no momento em que se liga a câmera até que ela é desligada. Em termos de roteiro, é o equivalente ao parágrafo de uma cena. Por isso, é comum, quando a câmera muda de posição, um novo parágrafo existir na descrição.
Antônio cai do cavalo e bate com as costas no chão. O animal prossegue.Pedro vem correndo.Antônio urra de dor (...)
SEQUÊNCIA – Uma série de tomadas ligadas por continuidade. Como se pode concluir, uma sequência é o mesmo que cena. Não se deve confundir sequência com plano-sequência. Este é a união de planos numa mesma tomada.
Localização: uma casa em X.Sequência 1: Quanto de casalCozinhaExterior da casa
SOFTWARES – Existe, no mercado e na prática dos profissionais, alguns softwares que auxiliam na redação e criação de roteiros audiovisuais, tais como os editores de textos. Dica: https://www.celtx.com
Por último, gostaria de deixar claro que a estrutura aqui montada é uma estrutura PADRÃO. Não se sinta limitado, pois não está; são ilimitadas as formas de estruturação do roteiro e, mais que isso, as formas de se apresentar personagens e objetivos. Como exemplo, temos os protagonistas passivos (tratamos dos ativos, até agora). Esses, passivos, não buscam seus objetivos; são levados até eles. É uma boa maneira de inovar!
Protagonista, antagonista e complementares
Todo o protagonista de uma história carrega a responsabilidade de atrair o público para si. Isso acontece, porque a história gira em torno dele. Entretanto, temos que perceber que os personagens complementares também carregam essa função. Mais ainda, porém, estão os antagonistas. Esse tópico foi preparado para isso, para percebermos a importância desses três tipos de personagens: protagonistas, antagonistas e complementares.
PROTAGONISTAS
- ATIVOS – desde o momento em que a questão dramática é deixada clara, o personagem protagonista há de explorar a si mesmo para conseguir seus objetivos.
- INTERESSANTES – a beleza de personagens protagonistas explica-se aqui: um protagonista deve ganhar empatia do público. E hoje, a beleza cumpre papel importante na empatia da trama com o público (sem juízo de valores). Inteligência, agilidade, simpatia e humor também são tópicos que aproximam o leitor de seu protagonista.
- SER MULTI-DIMENSIONAL – um personagem protagonista não pode ser plano. Ele tem que ter pontos fortes e fracos; ter altos e baixos, para que sua personalidade seja moldada ao longo da trama. Uma característica importante desse tipo de personagem é sua verossimilhança = ele deve existir, não, simplesmente, localizado num plano fictício. O personagem deve SE TRANSFORMAR.
ANTAGONISTAS
Nem sempre os antagonistas são pessoas. Mas quando são, ganham características bem próprias:
- Devem ser TÃO ou MAIS ATIVOS quanto os protagonistas, caso contrário, não terão grande peso;
- Devem ter um motivo para suas loucuras, nem que esse seja uma espécie de patologia.
- Antagonistas ganham forças quando revelam quem realmente são. Eles possuem uma ficção maior que os protagonistas, aliás. Isso acontece, porque extrapolam, em sua maioria, a barreira do “possível” e do “previsível”. Isso é importante para que fique claro que estamos diante de um antagonista e não de um oponente simples.
- As personalidades dos antagonistas são – e devem ser –, na maioria das vezes, redundantes ou, até, paradoxais. Isso o torna complexo.
COMPLEMENTARES
Os personagens protagonistas e antagonistas, comentados anteriormente, não costumam compor a história sozinhos. Dependem, portanto, além de um ao outro, de personagens complementares. É verdade! E não há exceção. “Náufrago” (2000), filme em que Tom Hanks passa quase todo o tempo com uma bola de vôlei, não escapa dessa lista.
- Todo personagem complementar existe em função do protagonista. Isso quer dizer que não existem personagens complementares sem nenhuma relação com o protagonista da história. Se há isso em sua história, há uma ponte para um núcleo sem sentido.
- O roteirista João Nunes resume as relações dos complementares com os protagonistas e antagonistas em cinco categorias: aliança; românticas; de transformação; de revelação; e de conflito.o Aliança: ajudando algum personagem a conseguir seus objetivos (geralmente, ao protagonista);o Românticas: fazendo o fio condutor entre protagonista. Pode tornar-se aliança.o Transformação ou mentor: é o personagem que levará o protagonista à sua transformação, recriação. É o que “acorda” o personagem para a realidade. Pode tornar-se aliança.o Conflito: esses são os personagens que apoiarão os antagonistas, assim como os protagonistas tem personagens aliados (aliança).
Mas o que eu mais gosto, sem dúvidas, crianças, é o personagem ao qual meu querido CORINGA se enquadra! “O Impostor/Trapalhão ("Trickster") – são os personagens cómicos, farsantes, brincalhões, que introduzem a confusão, o humor ou o caos nas narrativas. Em muitas estórias de pendor cómico o próprio Herói pode usar esta máscara de Impostor/Trapalhão. Na maior parte das estórias, contudo, é a um aliado que compete essa função. E em alguns casos, como o Joker da saga Batman, ela pode até cair no antagonista.” – João Nunes.
Dramatização II - Progressão
Chamamos de progressão dramatiza um elemento da dramatização. Tratam-se de progressivos acontecimentos até o acontecimento final.
A progressão dramática está diretamente ligada com a estrutura dos três atos, antes vista. Essa estrutura é uma ideia da dialética de Platão, em que teses, antíteses e sínteses estão diretamente ligadas ao fato, problema e solução do mesmo.
Os fundamentos do personagem protagonista é a tese. Essa escolha implica em dificuldades, ou seja, a antítese. Pelas dificuldades, é obrigado a novas escolhas, ou seja, a síntese. Esta síntese vira nova tese, que origina antítese e assim por diante, até o fim, realmente, do texto.
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A foto a cima resume bem o mecanismo do qual estamos falando. Note que já falamos (nesse post) sobre:
- Protagonista.
- Escolha/ação.
- Reação/conflitos.
- Frustração/dilema;
- Objetivo/clímax;
- Conflitos e surpresas (no post passado);
- Além da questão estrutural do texto, que infere diretamente na questão dramática.
Perceba, enfim, que todos os tópicos agora se encontraram.
A estrutura está diretamente ligada à progressão dramática, pois esta está ligada às estruturas dos três atos, que acontecem pelo desenvolvimento gradual de protagonista, antagonista e complementares, respectivamente.
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Gostaria de terminar esse post com uma nota de tristeza. Eu gostaria de anunciar que não recebi nenhuma resposta do exercício proposto outrora. Nenhuma.
A prática é o mistério para tudo e, sem ela, pouco se aprende. Saber o quanto o mundo virtual despreparado está buscando conhecimento é algo bom; saber que o mundo virtual despreparado não se interessa por um curso de roteiro gratuito, com correção de exercícios também gratuita, é melhor ainda: faz as críticas ganharem sentido e traz grandes justificativas para as críticas mais ácidas, das obras mais terríveis, dos autores que tiveram a oportunidade de aprender a realmente escrever um roteiro. Não adianta querer fazer texto contra crítico, depois. Não, mesmo.
Por hoje é só. Continuamos semana que vem, com o último post. Até lá!