Não sai dessa década, desse ano, desse clima. Fica por aí que 2019 tá barra. O ano mal começou e o anjo da morte já ceifou um bocado de gente.
Nas últimas semanas uns jovens desequilibrados entraram numa escola em Suzano e infelizmente destruíram sonhos e traumatizaram a nação. E sabe porquê eu começo falando sobre essa tragédia? Por que tudo começou na escola e terminou lá, assim como a novela Entre Nós faz, começa na escola e discorre sobre esse ambiente.
Mas, não. Hoje não quero falar sobre esse fato que nos marcou profundamente, eu quero falar como a escola é importante e como seus personagens também o são. É interessante falar sobre isso pois Alex, o personagem principal tem uma visão bem tediosa da escola, inclusive faltando varias vezes e enxergando a escola com uma lente negativa.
Alex pode ser só um jovem de 18 anos que já repetiu o ano escolar várias vezes e que não se enquadra muito nos padrões estabelecidos. Ou simplesmente, ele pode ser um jovem sofrendo com tudo isso e que precisa de ajuda antes de pegar uma arma e fazer besteira.
A discussão é pertinente, mas não irei aprofundar no assunto. Gostaria somente de fazer a ressalva de que discutir como os jovens, todos esses aspectos da vida, como futuro, perspectivas, sonhos, medos, entre outras coisas, é importante. Vale a pena dar mais atenção aos jovens e seus dilemas, suas opiniões e seus dramas. E drama é coisa que o jovem gosta de fazer, vamos concordar né!
Uma grande apresentação
May Magret faz algo magistral em nos apresentar o Alex. Um jovem que parece entediado, fora do padrão e que deixa bem claro que não tem nenhuma perspectiva do futuro, e isso é um ponto muito importante.
Alex é em suas próprias palavras um virjão invisível para as meninas do colégio - que eram fúteis mesmo - com apenas 18 anos e sem nunca ter beijado. Esses são os grandes conflitos internos de Alex.
Porém, ele parece um maluco que curte música, cinema e artes e tem um espírito mais livre que foge das convenções de estudar, trabalhar e formar família. Esse definitivamente não é o caso dele.
Um personagem sem futuro
Às vezes é inconsciente, ou talvez não. Porém, a autora demonstra com toda sua energia que seu protagonista não crê no futuro. Alex não vislumbra o amanhã. Sem perspectiva e nenhum plano o garoto apenas sobrevive dia após dia sem aguardar nada do porvir.
O garoto chega a citar o Exterminador do Futuro pra argumentar que seremos destruídos pela Skynet e de que não haverá amanhã.
Mas, até que ponto acompanhar um personagem que não enxerga o futuro é interessante?
Um começo inacabado
É nesse ponto que Entre Nós falha. Onde está o ponto de virada?
É normal em toda narrativa, seja ela literária, cinematográfica ou o que quer que seja, um começo em um lugar comum.
Um lugar comum de Entre Nós é a vida ordinária do Alex. Sua rotina tediosa, sua amiga nerd que só pensa no futuro e seus colegas da escola desinteressantes.
Mas, depois do lugar comum, costumamos acompanhar um incidente que tira o personagem da sua zona de conforto. No caso de Alex, poderia ser uma bomba explodindo sua casa, ou simplesmente a morte da sua melhor amiga. Mas, isso não aconteceu. Ficamos com o gostinho de que mais poderia ter acontecido.
Uma leitura fluída
Mas esses detalhes não retiram a qualidade da obra. May sabe escrever com muita fluidez deixando o texto leve e dinâmico.
As historias contadas por Alex são muito parecidas com as histórias que todos nós passamos. Nos sentíamos deslocados na escola. Muitas vezes isolados e sem amigos. E quem nunca passou pela fase bad de simplesmente não saber o que fazer da vida?
Confesso que com dezoito anos eu não sabia nem que existia futuro, muito menos pensar sobre ele de fato. E, afinal, o que é o futuro? Já parou pra pensar que o agora já foi futuro do ontem, e que mais tarde será o passado do hoje? Entendeu? Nem eu!
Resumindo: há música nos parágrafos de Entre Nós, faltou só um pouco de ação.
Mostre, não conte
É crível e empático acompanhar a narração sobre o Alex, mas faltou mais ação. Eu poderia saber que o Alex era deslocado na escola com um simples cena dele tropeçando por causa da perna esticada do garotão malvado. Eu poderia saber que o Alex gosta de Renato Russo vendo ele ligando para uma rádio e pedindo "Eduardo e Mônica".
May não cai na armadilha dos advérbios e adjetivos, mas ao invés de contar que as meninas do colégio são fúteis, que tal mostrar as meninas desfilando seu salto alto da moda, pisando em cima de um mendigo?
O escritor Tom Spanbauer é o autor da técnica da escrita perigosa. Ele defina essa técnica com:
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O corte total dos advérbios e adjetivos.
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Nenhuma abstração - Coisas do tipo fulano pensou, fulano imaginou ou fulano achou.
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Nenhuma medição - nada de idade, metros, quilômetros, altura ou profundidade.
A intenção de Spanbauer é nos tirar da zona de conforto e nos fazer descrever as cenas com mais substância e menos abstrações.
Ao invés de dizer que fulano está com raiva, mostrar que fulano quebrou a porta com um murro. Coisas do tipo.
Usar as metáforas para criar sensações. Alex simplesmente gostava de escutar música assim como as namoradas aguardavam as serenatas dos seus amados.
Cá entre nós
Confesso que fiquei admirado com o nível de raciocínio da May Margret. Ela demonstra saber como externalizar as experiências humanas, como passar pro papel tudo o que o personagem é. Ela soube construir um personagem em três níveis fundamentais.
O Alex é composto por música. Magro e em desenvolvimento. Nada atraente - Nível externo.
O Alex não faz parte de nenhum grupo social. Só tem uma amiga que é totalmente oposta a ele e quer algo com a vida - Nível das Relações.
O Alex não tem uma imagem muito positiva de si. Pouco confiante e sem perspectiva - Nível psicológico.
Será uma alegria ver em quais problemas esse garoto vai se meter. E em como isso vai transformar esse jovem sem futuro, em alguém que enxerga um amanhã.
Pra saber, temos que acompanhar o que May nos prepara pra continuar apostando nessa histórias que Cá entre nós tem muito futuro pela frente.
Por hoje é só! Se você discorda ou quer mostrar sua opinião, é só deixar o que acha nos comentários. E até a próxima!