A trama de Everton Brito trata sobre um jovem que perde as perspectivas com a vida, devido a uma crise de identidade e a rejeição por conta de sua sexualidade, e decide então dar cabo de tudo suicidando-se.
Para começar a análise de hoje, vou abordar o roteiro de uma forma diferente do que vinha fazendo.
A análise de hoje será cena à cena, fazendo um resumo do que foi apresentado e comentando sobre o roteiro.
Então, se você não leu o primeiro episódio e não quer saber de spoilers, eu aconselho a parar por aqui, pois essa análise será um pouco mais detalhada, ok?!
Vamos lá!
É sabido que ao criticar ou analisar um texto alheio, a gente sempre esbarra na questão da subjetividade, mas, convenhamos que história é história e que há alguns princípios que norteiam qualquer narrativa.
O exemplo mais simples é que toda história tem começo, meio e fim. Não importa a ordem, toda narrativa vai te mostrar o início, o que acontece no desenvolvimento e como isso termina.
Se tratando de roteiro, nós podemos ser ainda mais formulaicos, ou apelar para alguns princípios universais: tipo os arquétipos, conflitos e as lições aprendidas (ou não).
Everton Brito inicia seu roteiro usando uma imagem para apresentar seu personagem, mas ele comete uma falha comum, ele conta, ao invés de mostrar.
Seu protagonista escreve toda sua angústia em um diário, o que sim, nos causa certa empatia, porém o efeito dramático dessa descrição seria mais impactante se fosse retratado em imagens e ações. Dá uma conferida.
Na primeira cena, a máxima: mostre, não conte! Não foi observada. Mas será que isso prejudica a narrativa?
Ainda na primeira cena, passamos a entender as motivações do personagem. Ele não quer mais viver, pois tem medo do futuro e por não ser aceito em sua família e na sociedade.
Felipe é homossexual e sua família lhe reprova, isso também ocorre na escola, onde ele também e ridicularizado.
CENA 02
Aqui, Felipe está no Colégio onde é ridicularizado pelos colegas. Através de Voice Over, Everton Brito nos poupa mais uma vez de contemplar os dramas do personagem através de imagens.
Mas, isso muda em seguida. Pela primeira vez vemos Felipe sofrendo bulling, e isso ocorre quando um aluno lhe empurra ao chão.
Everton decide mostra a queda e a vergonha que o garoto passa ao cair. Ponto para o autor.
Esse é um dos recursos de uma narrativa. A possibilidade de gerar empatia através do sofrimento, da vergonha e do bulling.
Esse recurso é mais utilizado do que você imagina. É só lembrar de Harry Potter sofrendo na mão dos seus tios e do seu primo.
Acabamos nos colocando no lugar de Harry, o que ajuda o leitor a embarcar na história.
Mas cuidado, esse instrumento deve ser utilizado com propósito e não parecer totalmente deslocado da trama principal.
Voltando para a história de Felipe.
Outro aluno chamado Ruan encontra o protagonista caído e tenta lhe ajudar. Porém este recusa receber qualquer tipo de ajuda. Ele está sofrendo e não quer mais alguém pra fazer chacota.
No fim da cena 02, Felipe acaba se escondendo na cabine do banheiro e tomando uma pingazinha.
Aparentemente Everton adiciona uma cena meramente expositiva, mas isso não acontece, veja:
Felipe começa a cena sofrendo por ser rejeitado por todos. No fim da cena, ele termina sofrendo mais ainda, pois literalmente foi ao chão e agora está se escondendo do mundo cruel.
A cena começa em um polo negativo e termina duas vezes mais negativa. Ponto para o roteiro.
CENA 03
Considerando algumas falhas no cabeçalho e nas descrições, entendemos que Felipe sobe o terraço de um prédio na intenção de se matar.
Porém, ele é interceptado por Ruan que encontrou o diário do protagonista e leu seu desejo suicida.
Com um discurso motivacional, Ruan convence Felipe a desistir do suicídio. É nesse momento que vemos a força ou a fraqueza dos diálogos.
Ruan diz coisas como: "Ninguém é triste todo dia, ou ninguém é feliz todo dia". Esse tipo de diálogo pode ser perigoso, por soar irreal em uma situação dessas.
Mas, o autor consegue dar alguma profundidade quando revela que Ruan está morrendo. Não sabemos o porque dele estar morrendo, mas isso acaba influenciando Felipe a desistir de pular do edifício.
CENA 04
Ironicamente a última cena se passa em um penhasco. Um lugar propício pra cometer um suicídio.
Mas o que acontece lá, é que Felipe é estimulado por Ruan a soltar as tensões, através de um alto e expurgante grito.
Felipe grita bem alto e parece que seus demônios voam junto com o grito. Fim do episódio.
Everton ainda nos presenteia com uma frase motivacional que diz: "Quando tudo desmoronar e você estiver cansado, apenas grite". Fez algum sentido?
Talvez fazer sentido não tenha sido a proposta do episódio, mas mostrar como podemos sobreviver quando abrimos a boca. Quando nos expressamos.
O mundo de Felipe foi apresentado em um relato no diário. Seu caráter foi pouco explorado, ele só está muito abatido por ser homossexual, por sua família lhe rejeitar e seus colegas lhe bulinarem.
Mas faltou algo pra Felipe empolgar. Faltou um pouco de carisma, de habilidade ou até mesmo uma falha real.
Felipe não tem uma mentira na qual acreditar. Ele realmente sofre por ser homossexual, mas isso pode ser resolvido com certa facilidade.
Porém, onde está a falha do protagonista? Aquela fenda que irá impulsionar uma verdadeira transformação?
Para um início de história, senti que faltou alguns elementos que poderiam deixar a trama mais completa.
Alguns elementos que pudessem conectar ainda mais o Felipe ao leitor.
Até a próxima.