Lies | Pega na mentira metalingüística

Luiz Fernando de Oliveira
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Nem cena picante entre as personagens consegue salvar piloto

Francamente, nunca fui pretensioso em imaginar que de fato detinha uma opinião tão forte e crucial nas minhas palavras, a ponto de fazer que alguns escritores mudassem sua estratégia numa trama ou roteiro, muito menos passou pela minha cabeça, pensar que um ser em plena consciência de suas faculdades mentais lesse qualquer coisa que eu escrevesse e levasse realmente a sério, considero porque, nós do Blog da Zih não somos grandes escritores, com cadeiras na ABL (Academia Brasileira de Letras), no entanto temos, ou acho que temos, digamos um pouco de “experiência” no assunto. E damos o valor a esta experiência, veja porque, a gente começa a escrever, na maioria das vezes por algum motivo especial. E o nosso motivo é o “amor à escrita”. Primeiro recebi um convite de Paullo Torquato, agora desta vez foi do autor Di. Caitano criador da série Lies. Ao meu ver, um convite é uma recepção, no meu caso, gostei de recebê-lo, finda conclusão, não quer dizer que o “anfitrião” gostará da crítica recebida.




Para quem não sabe, ou mesmo nunca ouvir falar, a metalingüística é de uma forma mais ampla tratar-se de qualquer terminologia, ou “linguagem” utilizada para descrever uma “linguagem” em “si” própria. Quem nunca viu um filme dentro de um filme? Esclarecendo, um exemplo do que estou falando é o filme “Pânico II” (Scream II). Enfim, há momentos que Lies chega ser uma verdadeira mentira dentro da proposta oferecida pelo nome da série. Quem de nós nunca contou uma mentirinha? Já nos pegamos na maioria das vezes em situações, na qual não temos sequer saída e precisamos dar aquela escapada técnica, a famosa saída de fininho. É baseado sobre essa premissa que Caitano tenta desenvolver sua trama, e infelizmente, é o que não consegue. E nós aqui no Blog da Zih não costumamos mentir, e principalmente utilizar como subterfúgio aquela mentira chamada “mentira do bem”, que nada mais é que uma mentira social, e que todo mundo comete.

Uma coisa que me agradou e chamou muito minha atenção, foi o “efeito” de apresentação das personagens utilizado durante o piloto, Bráulio Mantovani usou o mesmo recurso no roteiro de “Cidade de Deus”, termo “Still Em”, ou seja, a imagem congela rapidamente, e em seguida ganha movimento. A introdução carrega consigo uma seqüência composta de cenas rápidas e curtas, porém, bem conduzidas e elaboradas. E é importante que o escritor saiba utilizá-la, porque podemos ter tantas seqüências quantas queremos, por conseqüência, nunca houve regra sobre o número necessário. O que realmente devemos entender e principalmente saber é a ideia por trás da nossa seqüência, a desenvoltura do seu contexto; e para desenvolver uma série de cenas, o mais importante, o conteúdo. Caitano inicia sua seqüência apresentando o letreiro de Hollywood, conhecemos a agitada personagem Sarah (Kristin Kreuk de Smallville).

É interessante conservar o nosso meio virtual, aonde Caitano através de um diálogo de Sarah entre uma atendente da agência Sucess, faz uma ligeira menção à série Daddy’s Girl, diga-se de passagem, é uma série que li a introdução, por sinal me agradou muito e já está no meu alvo juntamente com outras séries para serem analisadas, numa futura crítica. Voltando a Lies, a seqüência de Caitano termina no momento em que Sarah para em frente à porta de entrada da sala da sua chefe. Depois daí tudo esfria, e a série fica morna. Pergunto-me: “Onde está o assunto da trama?”. Temos que arraigar em nossas mentes de que um roteiro é como um substantivo, algo pulsante e vivo. O escritor tem que saber sobre o que trata sua série e o que acontece nela. É um dos conceitos primários para se esboçar uma trama. Suponhamos que temos uma idéia sobre três mulheres planejando o assassinato de seus maridos traidores, a estória tem que ser ressaltada e expressada dramaticamente, ou até mesmo articular seu assunto numas poucas palavras do diálogo.

Isto é, em termos de ação e enfoque das personagens, que no caso seria as três mulheres, é claro, a ação, os assassinatos de seus próprios maridos. Evidente que foi criado aí um ponto de partida na trama para que haja expansão nos elementos de forma e estrutura da estória. Se não sabemos o que escrevemos, como esperar que o leitor saiba? Creio eu que a maioria das pessoas começam a escrever com uma vaga ideia e mal formada na cabeça. É muito importante acarretar informações, falo sobre uma pesquisa em jornais, livros, revistas e Internet. Entendam que o mais difícil não é escrever, no entanto, é saber o que escrever. Para se ter uma base, eu levei praticamente em torno de 2 anos para concluir “They”, isto é, com suas 4 temporadas definidas, seguidas de sua trilogia de filmes, somente para depois lançá-la como uma série virtual. Com o processo em andamento, fiz pesquisas, recolhi informações, construí personagens, estabeleci a premissa da trama e a estrutura de todas temporadas.

As informações que colhi permitiram-me operar numa exposição de escolha e responsabilidade do que podia ou não acontecer na série. O mesmo se deu em “Drake”, apesar da série não estar no ar no mundo virtual, mesmo assim dei continuidade ao trabalho, comecei esboçá-la em 2007, e dia desses de 2011, numa conversa com Cris Ravela, revelei que terminei a série na quarta temporada. Como a série tratava-se de um matemático, que encontrava pessoas desaparecidas através de cálculos, foi necessário de eu empreender uma entrevista pessoal com um matemático de verdade, e acreditem que a maioria das pessoas deseja nos ajudar na forma que puder. Dado momento a personagem Scott Andrews (Clive Owen de Trust) solta uma frase: “Além disso, você sabe que faço somente o que gosto. Não preciso de dinheiro”. Ótima sacada de Caitano, as falas revelam o personagem. Contudo, que fique claro o desejo da personagem, o que realmente ela quer conquistar, fama ou amor, executar um plano de vingança ou obter justiça, realizar um sonho vindouro de infância, enfrentar um desafio ou realmente mudar sua vida.

O que sempre me atraiu nos filmes foi à relação entre o mentor e o herói, é o caso de Scott e Tyler (Tobey Maguire), na cena que acontece no Havaí quando ambos são apresentados, fica claro, e define a relação dos dois como: pai e filho, Deus e homem, mago e aprendiz, ou seja, Tyler aconselha, orienta e prepara Scott para vida. E nisso Caitano acertou e tem que usar sempre durante a temporada. Lembro quando Tyler fala para Scott: “Você não tem jeito mesmo, nunca vai mudar”. É o efeito que algo faça com o que a personagem mude, era importante sustentar essa força durante o piloto, é o que não acontece, aonde a personagem experienciaria um momento de morte, não digo literalmente morte, porém, uma morte psicológica, por exemplo, se a personagem via o mundo de uma forma, algo inesperado e realmente ruim aconteceria em sua vida, obrigando-a encarar o mundo com outros olhos, passando desgostar do que gostava e até mesmo mudar seu rumo.

Quando Sarah vai ter com Julie (Catherine Zeta-Jones de The Rebond) uma reunião muito importante e diz: “o trânsito estava um caos. Fiz todo o possível para chegar na hora mais não consegui”. Se Julie ao menos fosse realmente uma chefe empenhada, de fato diria que Sarah usou como subterfúgio a desculpa do “trânsito” para uma reunião muito importante, mas, teve tempo de comprar dois copos de café da Starbucks Coffee. É lógico que ambas não sabem o sinônimo de “reunião muito importante”. Pode parecer bobagem ater a esse fato, todavia, não é. Temos que ter cuidado na construção de nossas personagens, porque Julie é vendida como uma mulher de fibra, administra a empresa Sucess com muita competência, e eu não vejo competência alguma, taí a “primeira mentira”. Na introdução do piloto Sarah referiu-se a Julie através de palavras como um daqueles chefes perseguidores ao proferir: “Droga! Estou muito atrasada. A reunião já deve ter começado. A Julie vai me matar”.

Mas, não mata. Não digo propriamente matar, pelo menos descabelar a funcionário ou colocá-la em seu devido lugar. E na hora “H” quando Sarah chega atrasada, Julie peca ao dizer: “Por favor, remarque o mais rápido possível. Preciso fechar o elenco, pois a Fox quer iniciar as gravações em 2 meses. O tempo é muito curto”. Julie simplesmente apanha um copo de café oferecido por Sarah, ao menos, pensei que Julie fosse estressar, ter um daqueles chiliques e jogar o copo de café na parede ou até mesmo na cara de Sarah. Caitano teve aí uma oportunidade maravilhosa para desenvolver, essa que poderia ser uma incrível personagem importante e de peso. Pessoas nervosas são muito engraçadas e rendem boas risadas, para que todos entendam melhor o que estou falando, é o caso da personagem esquentada John Jonah Jameson Jr. ou "JJJ" do filme do Homem-Aranha, dono do jornal novaiorquino Clarim Diário. E a cena acaba mostrando Sarah saindo, sem ter um “arranhão emocional” sequer.

Essa é a importância de sermos sempre vigilantes ao que escrevemos e sugerimos nos diálogos, foi passada a ideia que a personagem fosse estressada, a cena esfria, nada acontece, e exemplifica a “segunda mentira”. O mesmo acontece na Sinopse quando Caitano menciona que Julie “não se abala com quase nada”, contudo, Sarah comprova ao contrário quando confessa: “A Julie vai me matar!”. Verdadeiramente Julie não se abala, muito menos com a traição do marido. Vejamos, como Sarah concluiu esse “pensamento”, se Julie não se abala com nada? Poderia dizer que nasceu daí a “terceira mentira”. Meros detalhes? Sim, mas, que eu percebo. Clive Owen e Catherine Zeta-Jones, ambos têm “cacifes” suficientes, para que cada um deles estrelem a própria série. Sinceramente, não consigo vê-los nas peles das personagens de Scott, muito menos de Julie. Fiquei intrigado se de fato o nome da personagem Julie Andrews, é ou não uma referência à atriz inglesa e noviça rebelde Julie Andrews. Risos.

Se eu ler algo e achar que os personagens são fracos e a estória inexistente, haverá pessoas que não hão de concordar comigo, no entanto, digamos que caiamos no presente do subjuntivo de nossa ingenuidade e no engano de não considerar as séries como espelho da vida, procuram-se caminhos para desvendar essa complexa relação entre arte e vida, isto é, a vida não é feita só de flores, assim tanto como a crítica quanto todas as pessoas e cada uma delas é um ser humano diferente, com diferentes gostos e subversões. Quero dizer, se todos no mundo fossem iguais, com os mesmos desejos e gostos, então necessitaríamos de apenas de um “estilo” de série. Notem a seqüência do piloto de Caitano no aeroporto de Los Angeles, da chegada de Tyler e Scott, é magnífica, porém, um roteiro não sobrevive apenas de seqüências e de transições interessantes e excelentes, mesmo que autor faça com bastante competência. E a estória, a trama e as personagens; como é que ficam?

Francamente, eu não via hora de acabar de ler o roteiro, e olha que o piloto é curto, no entanto, não tenho problema com o tamanho de um roteiro, pois, sofro de “SEC” Síndrome da Escrita Crônica, quando começo escrever eu não paro, aconteceu que eu não consegui me envolver com a leitura e muito menos surtiu curiosidade da minha parte para saber o que vinha acontecer adiante no piloto. Alfred Hitchcock costumava dizer que quando um ator vinha até ele e queria discutir seu personagem, ele dizia: “Está no roteiro”. E se o ator dissesse: “Mas qual a minha motivação?”, e ele respondia “Seu salário”. No caso dos leitores a motivação é a estória, e de nós escritores é saber o que escrever. Apesar de Lies acabar com uma cena picante, até bem descrita, mesmo assim não consegue salvar o piloto. Para lá de longe de dizer que toda temporada será ruim, na ocasião ainda há mais porvir. Como já cantava o cantor e tremendão Erasmo Carlos: “Pega na mentira, pega na mentira, corta o rabo dela, pisa em cima, bate nela, pega na mentira...”. Muitos podem não saber o que Erasmo queria dizer com a letra da música, no entanto, nós do Blog da Zih sabemos. Jogando no ventilador de 0 a 10, o piloto recebe 4, por não apresentar a estória do roteiro, ou seja, como definiu o próprio autor da série no seu slogan: “Nem tudo é o que parece!”.

Coluna “Seriando-se & Virtualizando-se”

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