Antologia "Era uma Vez..." | Conto III: Na Cabeça do Gigante Parte 1

Cristina Ravela
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Conto III: Na Cabeça do Gigante




Sobre a obra: A antologia "Era Uma Vez" nasceu de um desejo em contar histórias simples, mas que pudessem ser deslumbrantes. 

Onde as possibilidades fossem infinitas e as aventuras fantásticas. Um anseio do autor em viajar e fugir um pouco da triste realidade que se vive no país. 

Essas histórias não são meios de escape ou uma forma de ignorar os problemas, mas um modo de resinificar os medos, os traumas e os monstros internos que nos assolam. 

Era uma vez é um convite à imaginação. Para dar asas à imaginação. É mais uma maneira de sonhar e manter os pés no chão, mas nunca deixar de sonhar. Sejam bem-vindos à Antologia Era Uma Vez. 


Índice

III - Na cabeça do Gigante
IV - O Grande Vilão


Na Cabeça do Gigante


Era uma vez uma casa barulhenta cheia de crianças. A família dos Inteiro era grande e borbulhante. João e Maria Inteiro tiveram cinco filhos. O mais novo tinha seis anos, e o mais velho quatorze. Zule Inteiro era o filho mais velho. Sonhador e cheio de criatividade, não trilhou o caminho dos irmãos.
Os Inteiro eram conhecidos como uma família fracassada. Na vizinhança, todos sentiam pena daqueles pobres coitados. Zule e os irmãos eram ignorados pelas crianças do bairro. Eles não queriam se contaminar com a pobreza dos Inteiro.
Nas rodas de conversa, Zule escutava as más línguas cochicharem que ele e os irmãos seriam eternamente pobres. Nunca seriam bem-sucedidos, mas eternos perdedores. Ser idiota e fraco, estava no sangue dos Inteiro.
Na escola, Zule andava solitário, enquanto observava ao longe seus colegas de classe ostentarem medalhas, aparelhos tecnológicos de ponta e roupas de marca. Nas provas bimestrais, os riquinhos sempre tiravam a nota máxima, enquanto que Zule ficava reprovado. Nos esportes, eles sempre ganhavam os primeiros lugares, e Zule nunca era convocado a competir.
Mas algo interessante aconteceu no meio dos Inteiro. Os quatro irmãos mais novos de Zule, começaram a destacar-se nas avaliações escolares. Os quatro, sem exceções, tornaram-se extremamente inteligentes e talentosos. Ganhavam todas as olímpiadas que participavam, desde o mais jovem até o mais velho. Menos Zule, que permanecia um “tonto”, assim ele pensava.
Os pais do garoto tentaram enxergar no filho algum talento, mas era em vão. Ele era distante da realidade, e nunca seria alguém de destaque. Em contrapartida, os outros garotos ganharam bolsas escolares, para estudar em universidades importantes ao redor do mundo. Um foi para Harvard, o outro para Oxford, outro para Yale. E assim, todos os filhos dos Inteiro partiram para o mundo, brilhando em talento e genialidade. Menos Zule, que continuava sem entender o porquê de ser tão atrasado.
O que Zule gostava de fazer? Ele gostava de ouvir histórias e contá-las também, mas esse tipo de gosto não dava reconhecimento. O que dava fama e dinheiro era o mundo dos negócios, das vendas, das exatas. Ou se você fosse um grande artista com grande talento. Ele não era inteligente e nem talentoso. Distraído e sonhador, não sabia onde se encaixar no mundo.
Com tudo isso acontecendo em sua vida, ele simplesmente entrou numa espiral de desânimo. Dia após dia, seu único desejo era permanecer dormindo, até que um fim, enfim, chegasse. Não existia futuro e muito menos esperança. Aceitar o fracasso era a única opção. Mas, seus pais não deixavam que ele esmorecesse, “Com certeza existe algo preparado pra você. Seja paciente e persistente, um dia as coisas irão melhorar”, eles aconselhavam.
Tenho que encontrar meu lugar no mundo. Preciso saber como ganhar destaque e ser reconhecido”, pensava Zule. Mesmo com esses pensamentos, o menino de quatorze anos não se encontrava e não sentia que tinha algo a acrescentar ao mundo. Mas ele não podia permanecer do mesmo jeito. Haveria algo que pudesse fazer, com certeza, mas o quê?
Alguns meses se passaram desde que seus irmãos partiram para a universidade, e no fim daquele ano, um grande gênio da tecnologia decidiu palestrar na escola em que Zule estudava. O garoto ficou empolgado com a possibilidade de se aproximar de alguém tão bem-sucedido, e resolveu que perguntaria o segredo da fama.
Ao fim da palestra, Zule se aproximou de Erni Gobs, o grande gênio da tecnologia, e perguntou “Como ter sucesso e fama?”. Erni se aproximou do jovem e respondeu: “Sonhe alto. Pense grande”. Mas, o garoto franziu o cenho sem entender. E assustou-se quando o homem lhe entregou um livreto envelhecido.
No meio do caminho, de volta para casa, Zule meditava nas palavras “Sonhe alto. Pense grande”, enquanto observava o folheto com o seguinte título: “Lendas da Amazônia”. Apesar do título falar de lendas no plural, o livreto só trazia uma história. A de um gigante adormecido no meio da selva amazônica. A lenda dizia que na cabeça do gigante havia um fruto dos deuses, e aquele que o comesse seria grande, rico e honrado, como um gigante. O valente que conseguisse entrar na cabeça, e comer do fruto; seria coroado com inteligência infinita, talento incomensurável, e riquezas incontáveis. Era uma oferta tentadora. Zule precisava tentar. Ele entendeu a mensagem e sabia que para ter fama e riquezas, precisava entrar na cabeça do gigante, e assim faria.
O livreto trazia um mapa de como chegar até o gigante. Zule preparou-se para fazer a maior e mais fantástica viagem da sua vida. Nunca havia ido tão longe sozinho. Sempre estava acompanhado dos pais e dos irmãos. Mas, agora, teria que encarar o desafio sem ajuda de ninguém. Seus pais não permitiriam uma loucura dessas, ele tinha certeza disso.
Durante uma semana inteira, ele se preparou. Foi até à oficina do seu pai e pegou algumas ferramentas emprestadas. Na mochila, havia lanterna, cordas, repelente, isqueiro, cantil, entre outras coisas. Juntou uma muda de roupa, barras de chocolate e algumas frutas. Estava pronto para a grande jornada. Só faltava uma coisa: dinheiro.
Precisava pegar um ônibus até Manaus, capital da Amazônia. De lá, seguir de barco até PPPPP um povoado na beira do rio MMMMM e encontrar a tribo dos BBBBB onde encontraria um guia para lhe levar no coração da floresta, onde o gigante dormia. Para isso, precisava de recursos que pudessem custear a empreitada, coisa que ele não tinha. E agora, como conseguir esse dinheiro? Só havia uma forma de alcançar isso em pouco tempo. Um empréstimo, com seu pai. Ele pegaria a grana da carteira do velho - Emprestado é claro! - E, quando retornasse, sábio e cheio de riquezas, devolveria o investimento com juros. Era isso, e não se comentava mais. Não era um furto. Era um simples empréstimo.
E assim Zule fez. Na calada da noite, enquanto todos dormiam, furtou toda a grana da carteira do seu pai. Deixou uma carta no criado mudo e partiu em direção à rodoviária. Esperou o primeiro ônibus da manhã, e embarcou em direção à Amazônia.
A viagem era longa, mas ele estava aproveitando. Tirou foto dos lugares em que passava. Viu prados e cercanias verdejantes. Grandes fazendas e cabeças de gado. Nas paradas que fizeram, gastou alguns trocados com refeição e água. Conversou com algumas senhoras simpáticas que sorriam constantemente. E dormiu muito. Dormiu tanto, que não percebeu quando um homem atarracado, com cara de mafioso, se aproximou de sua mochila e furtou todo o seu dinheiro.
Quando desembarcou em Manaus, percebeu que estava sem grana. Fora furtado em sua grande aventura. E, agora? O que fazer? Precisava do dinheiro para pegar a balsa e ir até a aldeia indígena. Perguntou a alguns pescadores por ali, se conseguiria pegar carona, mas eles disseram que era impossível. “Como isso foi acontecer? Como chego à floresta?”, ele pensava sem saber para onde ir.
O folheto “Lendas da Amazônia” indicava toda a rota a seguir. O próximo passo era embarcar na balsa e chegar à tribo dos BBBBB. Mas, ele não conseguiria fazer isso, se não encontrasse uma forma de entrar na embarcação.
No cais do porto, Zule observou os homens levando caixotes para a balsa. Logo pensou que se entrasse em um dos caixotes, conseguiria entrar na balsa sem ser notado. E assim ele fez.
Furtivamente, escondeu-se em um dos caixotes carregados de peixe, e foi transportado até a balsa. Quando percebeu que estava navegando, tratou de sair do meio dos peixes e infiltrar-se entre os tripulantes. Porém, estava trancado no porão, rodeado de malas e ratazanas.
Caminhando no meio dos caixotes, encontrou um baú antigo, e curioso, abriu. Dentro, ele achou um pequeno saco cheio de pepitas de ouro, e ficou deslumbrado com o brilho do metal. Aquilo não lhe pertencia, tinha que devolver. Mas quem esconderia pepitas de ouro no meio de velharias? Deixar algo tão precioso, exposto desse jeito! Talvez a pessoa não precisasse tanto. Talvez não fosse tão precioso assim para o dono. Mas para Zule, aquilo era a salvação. Era seu passaporte para o gigante, e consequentemente para a riqueza e a felicidade. Precisava daquele metal. Faria esse pequeno furto, e caso achasse o dono, devolveria assim que estivesse rico.
Pensando assim, ele pegou para si a pepita de ouro, e aguardou que alguém lhe libertasse do porão. Esperou um dia e meio para ver a luz do sol, quando o carregador entrou no ambiente, Zule escondeu-se entre os caixotes, e aproveitando a deixa, escapou sem ser notado.
Ao desembarcar no povoado dos TAPEBA, Zule consultou mais uma vez o livreto, que indicava a casa de um índio. Sem delongas, foi até à casa amarela com um peixe de madeira no telhado. Procurou pelo índio Macabeus e aguardou para ser atendido.
Macabeus recebeu Zule com espanto e curiosidade. Sua assistente havia lhe informado que um menino queria chegar até TAPUÃ, o gigante adormecido. Ele ficou admirado, pois há muito tempo ninguém procurava fazer esse tipo de excursão.
Zule mostrou-lhe o livreto, e disse que gostaria de entrar na cabeça do gigante para comer o fruto dos deuses. “Queria ser rico e famoso”. “Pagaria o preço que fosse para ter o índio como guia”.
Macabeus ficou surpreso com a investida do garoto. Seu rosto de pão amassado parecia ficar ainda mais achatado com o que estava presenciando. “Aventura perigosa. Menino vai quebrá”. Ele tinha que jogar essa cuia de água fria sobre tamanha loucura.
Dou-lhe tudo o que tenho”, disse Zule, mostrando-lhe as pepitas de ouro. Os olhinhos puxados do índio quase saltaram das órbitas. Ele não acreditava que veria tanta riqueza nas mãos de um moleque.
Gigante Tapuã dorme sossegado. Não pode perturbar sono. Pais antigos contam que gigante acorda de cem em cem anos. Tempo está perto. Tapuã vai acordar sem que tribo espere. Devemo ficar longe. Gigante mortal”, dizia Macabeus. Mas, tudo era em vão. Zule queria enfrentar o perigo e encontrar-se com Tapuã. A fama e a riqueza era tudo o que ele mais queria, e pra conseguir isso, enfrentaria esse desafio. Era o gigante, ou viver toda sua vida na miséria e no anonimato. Ele não podia ficar para trás. Até seus irmãos tinham destaque. Ele tinha que conseguir esse fruto. Era sua única e última esperança.
No dia seguinte, os dois partiram. Macabeus carregava um facão e alguns suprimentos. Andaram por campos abertos durante toda a manhã. À tarde, seguiram uma trilha, cercada por juncos verdes. Passaram por manguezais cobertos pela cheia do rio. Até que à noite, entraram em uma clareira, aonde tinha duas barracas montadas. Era um ponto de parada, preparado pelo índio. Iriam passar à noite ali, e pela manhã entrariam mata à dentro, desmatando um caminho pouco explorado, indo até o coração da floresta, ao encontro do grande Tapuã.
Acenderam uma fogueira e comeram peixe assado. Macabeus ainda tentou persuadir o menino a desistir da aventura, mas, ao perceber que ele era irredutível e teimoso, achou por precaução adverti-lo dos perigos que enfrentaria. “Dizem os antigos, que muitos saíram ricos e sábios, depois de comerem o fruto. Mas, muitos não retornaram. Dentro de Tapuã, tem piranhas assassinas, armadilhas mortais, e abelhas venenosas que entram no ouvido dos homens. Não tem luz dentro de Tapuã. Lugar de morte. Menino deve voltar”, implorava o guia.
Me dê sua lança e eu matarei esses montros”, Zule respondia, sem acreditar muito nas histórias antigas. “Um gigante adormecido, é um gigante sem vida. Não há nada a temer na cabeça de Tapuã. Meu grande desafio foi ter chegado até aqui. Entrar na cabeça desse monstro será apenas um detalhe”, pensava o garoto.
Antes do amanhecer, Zule acordou com o rosnado de uma onça pintada. Macabeus já estava de pé pronto para seguir viagem. Após a refeição, seguiram até a encosta de um morro e percorreram esse caminho durante muito tempo. Ao meio-dia, Zule ouviu o som de um riacho, e Macabeus apressou o passo dizendo que o rio estava próximo.
Ao ver as águas correntes, Zule correu na intenção de se refrescar, mas, foi interceptado pelo índio que lhe mostrou os crocodilos, prontos para o ataque. “Águas perigosas. Crocodilos, piranhas e cobras. Menino ter cuidado”, alertou.
Após percorrerem alguns metros ao lado do rio, chegaram a uma pequena canoa, escondida entre os arbustos. Remaram durante todo o dia, passando por corredeiras e quedas d’águas. No percurso, avistaram antas, araras de várias espécies, alguns micos e dezenas de garças. A natureza verdejante e pulsante acompanhava o braço do rio mata à dentro. Era sem dúvida uma paisagem deslumbrante. Zule, nunca esqueceria as paisagens que passara. Seria uma grande história que ele teria para contar. Uma grande aventura na floresta.
Atracaram a canoa em uma pequena ilha no meio do rio. Andaram a pé seco até a mata. Subiram um monte e caminharam no meio da vegetação. A mata fechada era de difícil acesso. Grandes árvores cobriam o céu, transformando o lugar em um cenário escuro e úmido. Os arbustos arranhavam os braços dos viajantes e os mosquitos cobriam o corpo deles, ignorando o repelente. O ataque dos mosquitos só melhorou, após queimarem um galho seco que soltava fumaça e afastava a nuvem.
Encontraram uma pequena clareira e amarraram as redes. Tentaram dormir àquela noite, mas o calor era infernal. Os mosquitos brigavam para sugar o sangue deles, os grilos cantavam, as onças rugiam, e o som de outros bichos desconhecidos, deixavam-lhes vigilantes, prontos para um ataque. Passaram a noite acordados, sentindo a ameaça aproximando-se cada vez mais. Estavam assustados.
Não perceberam quando o sol nasceu. Sabiam que havia amanhecido porque os bichos se acalmaram. Pela manhã as presas eram silenciosas. Ficavam entocadas, tentando sobreviver. À noite, Jaguatiricas fugiam apressadas perseguidas por predadores famintos. À luz do sol, elas tentavam ser discretas para viverem mais um dia. Zule e Macabeus só podiam prosseguir com a luz, mesmo que o sol penetrasse com desânimo entre as árvores.
Zule era muito curioso, e tudo que via e não conhecia, perguntava ao índio. Ele ficara surpreso com alguns buracos no chão, que pareciam pequenas entradas de ar. O índio lhe explicara que ali havia uma estrutura complexa abaixo dos pequenos buracos. Eram os chamados formigueiros. A grande construção das formigas tanajuras. E aqueles buracos, eram as portas de acesso que elas utilizavam para o transporte de alimentos e material de construção. Afinal, era verão, e as formigas trabalhavam até o inverno. Elas precisavam correr para estocar comida e ampliar o formigueiro.
Ele também queria saber os tipos de árvores, de frutos e como viver na floresta. Era decerto, muito curioso.
Até que chegaram a um pequeno abismo no meio da mata. Uma pequena fenda no chão que dividia a floresta. “Depois daqui, menino segue sozinho. Essa é a veia do coração. Menino anda direto e encontra o gigante. Macabeus não pode ultrapassar. Costume da tribo. Se ultrapassar Macabeus é maldito. Menino deve ir sozinho”, disse o índio.
Zule não tentou convencê-lo, o índio não iria adiante. Porém, ele pediu que Macabeus lhe esperasse ali. Ele não saberia voltar sozinho. Ainda precisava do guia para voltar à civilização.
Após beber água e comer carne seca, Zule partiu com o facão em punho. Atravessou a ponte sobre a fenda e entrou na região do coração da floresta. Estava prestes a realizar seu objetivo: comer o fruto dos deuses e tornar-se rico e poderoso. Ele daria muito orgulho para os seus pais. Seus irmãos iriam lhe invejar. E seus vizinhos metidos curvar-se-iam diante dele. Estava próximo da glória e da fortuna, do êxtase e da realização. Aquele era um grande momento para Zule, o explorador.
A primeira coisa que avistou foram os dedos do gigante. Ele só percebeu que eram dedos por conta das unhas longas e sujas. Se não estivesse atento, confundiria com um alto monte diante de si. Como subiria aquela inclinação?
Zule prendeu o gancho no topo do dedão, e com muito esforço, agarrou a corda subindo metro após metro. No alto, percebeu suas mãos sangrando. Limpou-se nas calças e continuo a subir. Era uma escalada íngreme. As canelas do gigante estavam repletas de musgo e ele não conseguia apoiar os dedos nas fendas. Agarrou-se a alguns galhos que cresciam rente ao corpo do gigante. E, firmando-se nos cipós, alcançou rapidamente o abdômen onduloso.
A pele de Tapuã era firme como rocha. Escalar a área do tórax foi a parte mais fácil, era o local de maior apoio para os pés. Ao chegar aos ombros do gigante, Zule pendurou-se em raízes que saíam dos ouvidos, e subiu até o lóbulo da orelha.
Dentro do pavilhão auricular, caminhou até a entrada da concha, e enfiou-se dentro da gruta enorme e escura. Alguns metros caminhando e o chão tornara-se escorregadio. Caiu em um túnel apertado que descia em uma espiral profunda. “Se descesse mais, talvez parasse no estômago do gigante”, pensou, ao desabar numa poça.
A cabeça do gigante era uma caverna sombria, lamacenta, úmida e cheia de mofo. Com a lanterna ligada, Zule seguia a trilha que o livreto indicava para chegar ao fruto dos deuses. Havia um caminho demarcado por outros aventureiros, aquele não era um lugar inexplorado. Outros também vieram atrás do poder vindo de Tapuã. Zule sabia que seria bem sucedido em sua empreitada. Nunca mais as coisas seriam as mesmas. Um novo futuro estava por vir.
Alguns morcegos voavam velozes, assustando o menino. Ele tentava iluminar o topo da cabeça do gigante, mas o facho de luz não alcançava chegar tão alto. O que a luz conseguiu focar, foi um morcego ressecado, de olhos vermelhos, pousado diante dele, dando-lhe um susto e fazendo-lhe cair.
Que queres viajante? Estás perdido?”, o morcego perguntou, com uma voz rouca e envelhecida.
Zule foi tomado pelo espanto. Ele tremeu ao ouvir a voz do morcego, mas não quis questionar o porquê daquela anomalia. Ao invés de gritar e correr assustado; decidiu iniciar um diálogo com aquele bicho estranho e falante. “Vim para comer o fruto dos deuses. Vim em busca de riquezas e glórias. Pode me ajudar?”, ele perguntou.
Não vás adiante. O caminho da morte lhe espera. Suba as escadas auriculares e retorne para casa. O preço que se paga para chegar ao fruto é alto, e não se pode retornar a partir daqui”, disse o morcego, mostrando uma ponte de nervos.
Não posso voltar. Meu destino é ser grande. Só irei retornar após comer o fruto dos deuses”, o menino respondeu, determinado a seguir adiante.
Zule olhou o mapa cerebral e confirmou sua localização. Estava no hemisfério esquerdo, lugar de raciocínio lógico, uma área que ele pouco dominava. Para chegar ao fruto, teria que percorrer um enorme labirinto, descer por uma espiral no lobo frontal até chegar ao centro. Seria mais uma grande viajem a realizar, mas ele estava confiante.
Não percebeu que estava faminto. O estômago roncou dando sinais. Encostou-se em uma raiz seca, e comeu maça e chocolate. Aproveitou para tomar água e lembrar-se de casa. “Como seu pai estaria? Será que sentiam saudades? Uma semana tinha se passado. Deviam estar desesperados atrás dele”. Lembrava-se de que todos os dias quando o pai ia trabalhar, dava um beijo em sua testa. Seu pai era incrível. Motorista de ônibus incansável. Todos os dias, pontualmente, ele saía às seis da manhã, e só voltava às seis da noite. Homem forte e trabalhador. Merecia que seus filhos lhe dessem orgulho.
Zule caminhou no meio da escuridão. Um emaranhado de teias grossas se entrelaçava em um ninho viscoso e difícil de ultrapassar. Para ir adiante, precisou usar o facão e cortar o emaranhado de fios à sua frente. Em seguida, chegou a um grande salão oval com teto curvilíneo, que gotejava um líquido gosmento. Um grande lago verde e borbulhante havia se formado, e piranhas com dentes afiados, saltavam de um lado a outro, mergulhando naquelas águas ácidas.
Só há uma maneira de ultrapassar”, disse o morcego, atrás de Zule.
O garoto assustou-se e jogou o facho de luz no rosto do morcego falante. Ele voou pousando em uma fenda próxima.
Você quase me mata de susto. Por que está me seguindo, se não vai me ajudar?”, Zule perguntou, ainda ofegante.
Não importa. Você não pode mais voltar. Agora encontre o centro do cérebro, ou morra aqui”, respondeu o morcego.
Como ultrapasso esse lago?”.
Deves escalar até o teto e pendurar-se nas alças que lá estão. Não podes cair nessas águas. Se as piranhas não lhe comerem antes, o ácido irá corroer sua alma”, avisou o mamífero.
Zule ficara impressionado. Realmente iria precisar da ajuda do morcego. Estava com medo. Nunca havia feito isso. Mas, agora precisava ser corajoso e enfrentar esse obstáculo. Não podia mais voltar, então, tinha que chegar até o fruto e escapar depois de conquistar a glória.
Tenho uma boa notícia para lhe dar”, disse o morcego observando-o com um olhar tristonho. “Os musgos que existem por aqui, são poderosos coagulantes; se por acaso um membro seu for amputado, musgo é o melhor remédio. Não se esqueça disso”.

O que ele quis dizer com amputado?”, pensou o menino. “Enfim, não podia mais perder tempo”, continuou sua jornada escalando a parede e pendurando-se nas alças. 
***
O que vai acontecer com Zule? Ele vai conseguir ser grande?
NÃO PERCA NA PRÓXIMA SEMANA!

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