Conto III: Na Cabeça do Gigante
Sobre a obra: A antologia "Era Uma Vez" nasceu de um desejo em contar histórias simples, mas que pudessem ser deslumbrantes.
Onde as possibilidades fossem infinitas e as aventuras fantásticas. Um anseio do autor em viajar e fugir um pouco da triste realidade que se vive no país.
Essas histórias não são meios de escape ou uma forma de ignorar os problemas, mas um modo de resinificar os medos, os traumas e os monstros internos que nos assolam.
Era uma vez é um convite à imaginação. Para dar asas à imaginação. É mais uma maneira de sonhar e manter os pés no chão, mas nunca deixar de sonhar. Sejam bem-vindos à Antologia Era Uma Vez.
Índice:
II - Mundo Perdido
III - Na cabeça do Gigante
IV - O Grande Vilão
Na Cabeça do Gigante
Era
uma vez uma casa barulhenta cheia de crianças. A família dos
Inteiro era grande e borbulhante. João e Maria Inteiro tiveram cinco
filhos. O mais novo tinha seis anos, e o mais velho quatorze. Zule
Inteiro era o filho mais velho. Sonhador e cheio de criatividade, não
trilhou o caminho dos irmãos.
Os
Inteiro eram conhecidos como uma família fracassada. Na vizinhança,
todos sentiam pena daqueles pobres coitados. Zule e os irmãos eram
ignorados pelas crianças do bairro. Eles não queriam se contaminar
com a pobreza dos Inteiro.
Nas
rodas de conversa, Zule escutava as más línguas cochicharem que ele
e os irmãos seriam eternamente pobres. Nunca seriam bem-sucedidos,
mas eternos perdedores. Ser idiota e fraco, estava no sangue dos
Inteiro.
Na
escola, Zule andava solitário, enquanto observava ao longe seus
colegas de classe ostentarem medalhas, aparelhos tecnológicos de
ponta e roupas de marca. Nas provas bimestrais, os riquinhos sempre
tiravam a nota máxima, enquanto que Zule ficava reprovado. Nos
esportes, eles sempre ganhavam os primeiros lugares, e Zule nunca era
convocado a competir.
Mas
algo interessante aconteceu no meio dos Inteiro. Os quatro irmãos
mais novos de Zule, começaram a destacar-se nas avaliações
escolares. Os quatro, sem exceções, tornaram-se extremamente
inteligentes e talentosos. Ganhavam todas as olímpiadas que
participavam, desde o mais jovem até o mais velho. Menos Zule, que
permanecia um “tonto”, assim ele pensava.
Os
pais do garoto tentaram enxergar no filho algum talento, mas era em
vão. Ele era distante da realidade, e nunca seria alguém de
destaque. Em contrapartida, os outros garotos ganharam bolsas
escolares, para estudar em universidades importantes ao redor do
mundo. Um foi para Harvard, o outro para Oxford, outro para Yale. E
assim, todos os filhos dos Inteiro partiram para o mundo, brilhando
em talento e genialidade. Menos Zule, que continuava sem entender o
porquê de ser tão atrasado.
O
que Zule gostava de fazer? Ele gostava de ouvir histórias e
contá-las também, mas esse tipo de gosto não dava reconhecimento.
O que dava fama e dinheiro era o mundo dos negócios, das vendas, das
exatas. Ou se você fosse um grande artista com grande talento. Ele
não era inteligente e nem talentoso. Distraído e sonhador, não
sabia onde se encaixar no mundo.
Com
tudo isso acontecendo em sua vida, ele simplesmente entrou numa
espiral de desânimo. Dia após dia, seu único desejo era permanecer
dormindo, até que um fim, enfim, chegasse. Não existia futuro e
muito menos esperança. Aceitar o fracasso era a única opção. Mas,
seus pais não deixavam que ele esmorecesse, “Com certeza existe
algo preparado pra você. Seja paciente e persistente, um dia as
coisas irão melhorar”, eles aconselhavam.
“Tenho
que encontrar meu lugar no mundo. Preciso saber como ganhar destaque
e ser reconhecido”, pensava Zule. Mesmo com esses pensamentos, o
menino de quatorze anos não se encontrava e não sentia que tinha
algo a acrescentar ao mundo. Mas ele não podia permanecer do mesmo
jeito. Haveria algo que pudesse fazer, com certeza, mas o quê?
Alguns
meses se passaram desde que seus irmãos partiram para a
universidade, e no fim daquele ano, um grande gênio da tecnologia
decidiu palestrar na escola em que Zule estudava. O garoto ficou
empolgado com a possibilidade de se aproximar de alguém tão
bem-sucedido, e resolveu que perguntaria o segredo da fama.
Ao
fim da palestra, Zule se aproximou de Erni Gobs, o grande gênio da
tecnologia, e perguntou “Como ter sucesso e fama?”. Erni se
aproximou do jovem e respondeu: “Sonhe alto. Pense grande”. Mas,
o garoto franziu o cenho sem entender. E assustou-se quando o homem
lhe entregou um livreto envelhecido.
No
meio do caminho, de volta para casa, Zule meditava nas palavras
“Sonhe alto. Pense grande”, enquanto observava o folheto com o
seguinte título: “Lendas da Amazônia”. Apesar do título falar
de lendas no plural, o livreto só trazia uma história. A de um
gigante adormecido no meio da selva amazônica. A lenda dizia que na
cabeça do gigante havia um fruto dos deuses, e aquele que o comesse
seria grande, rico e honrado, como um gigante. O valente que
conseguisse entrar na cabeça, e comer do fruto; seria coroado com
inteligência infinita, talento incomensurável, e riquezas
incontáveis. Era uma oferta tentadora. Zule precisava tentar. Ele
entendeu a mensagem e sabia que para ter fama e riquezas, precisava
entrar na cabeça do gigante, e assim faria.
O
livreto trazia um mapa de como chegar até o gigante. Zule
preparou-se para fazer a maior e mais fantástica viagem da sua vida.
Nunca havia ido tão longe sozinho. Sempre estava acompanhado dos
pais e dos irmãos. Mas, agora, teria que encarar o desafio sem ajuda
de ninguém. Seus pais não permitiriam uma loucura dessas, ele tinha
certeza disso.
Durante
uma semana inteira, ele se preparou. Foi até à oficina do seu pai e
pegou algumas ferramentas emprestadas. Na mochila, havia lanterna,
cordas, repelente, isqueiro, cantil, entre outras coisas. Juntou uma
muda de roupa, barras de chocolate e algumas frutas. Estava pronto
para a grande jornada. Só faltava uma coisa: dinheiro.
Precisava
pegar um ônibus até Manaus, capital da Amazônia. De lá, seguir de
barco até PPPPP um povoado na beira do rio MMMMM e encontrar a tribo
dos BBBBB onde encontraria um guia para lhe levar no coração da
floresta, onde o gigante dormia. Para isso, precisava de recursos que
pudessem custear a empreitada, coisa que ele não tinha. E agora,
como conseguir esse dinheiro? Só havia uma forma de alcançar isso
em pouco tempo. Um empréstimo, com seu pai. Ele pegaria a grana da
carteira do velho - Emprestado é claro! - E, quando retornasse,
sábio e cheio de riquezas, devolveria o investimento com juros. Era
isso, e não se comentava mais. Não era um furto. Era um simples
empréstimo.
E
assim Zule fez. Na calada da noite, enquanto todos dormiam, furtou
toda a grana da carteira do seu pai. Deixou uma carta no criado mudo
e partiu em direção à rodoviária. Esperou o primeiro ônibus da
manhã, e embarcou em direção à Amazônia.
A
viagem era longa, mas ele estava aproveitando. Tirou foto dos lugares
em que passava. Viu prados e cercanias verdejantes. Grandes fazendas
e cabeças de gado. Nas paradas que fizeram, gastou alguns trocados
com refeição e água. Conversou com algumas senhoras simpáticas
que sorriam constantemente. E dormiu muito. Dormiu tanto, que não
percebeu quando um homem atarracado, com cara de mafioso, se
aproximou de sua mochila e furtou todo o seu dinheiro.
Quando
desembarcou em Manaus, percebeu que estava sem grana. Fora furtado em
sua grande aventura. E, agora? O que fazer? Precisava do dinheiro
para pegar a balsa e ir até a aldeia indígena. Perguntou a alguns
pescadores por ali, se conseguiria pegar carona, mas eles disseram
que era impossível. “Como isso foi acontecer? Como chego à
floresta?”, ele pensava sem saber para onde ir.
O
folheto “Lendas da Amazônia” indicava toda a rota a seguir. O
próximo passo era embarcar na balsa e chegar à tribo dos BBBBB.
Mas, ele não conseguiria fazer isso, se não encontrasse uma forma
de entrar na embarcação.
No
cais do porto, Zule observou os homens levando caixotes para a balsa.
Logo pensou que se entrasse em um dos caixotes, conseguiria entrar na
balsa sem ser notado. E assim ele fez.
Furtivamente,
escondeu-se em um dos caixotes carregados de peixe, e foi
transportado até a balsa. Quando percebeu que estava navegando,
tratou de sair do meio dos peixes e infiltrar-se entre os
tripulantes. Porém, estava trancado no porão, rodeado de malas e
ratazanas.
Caminhando
no meio dos caixotes, encontrou um baú antigo, e curioso, abriu.
Dentro, ele achou um pequeno saco cheio de pepitas de ouro, e ficou
deslumbrado com o brilho do metal. Aquilo não lhe pertencia, tinha
que devolver. Mas quem esconderia pepitas de ouro no meio de
velharias? Deixar algo tão precioso, exposto desse jeito! Talvez a
pessoa não precisasse tanto. Talvez não fosse tão precioso assim
para o dono. Mas para Zule, aquilo era a salvação. Era seu
passaporte para o gigante, e consequentemente para a riqueza e a
felicidade. Precisava daquele metal. Faria esse pequeno furto, e caso
achasse o dono, devolveria assim que estivesse rico.
Pensando
assim, ele pegou para si a pepita de ouro, e aguardou que alguém lhe
libertasse do porão. Esperou um dia e meio para ver a luz do sol,
quando o carregador entrou no ambiente, Zule escondeu-se entre os
caixotes, e aproveitando a deixa, escapou sem ser notado.
Ao
desembarcar no povoado dos TAPEBA, Zule consultou mais uma vez o
livreto, que indicava a casa de um índio. Sem delongas, foi até à
casa amarela com um peixe de madeira no telhado. Procurou pelo índio
Macabeus e aguardou para ser atendido.
Zule
mostrou-lhe o livreto, e disse que gostaria de entrar na cabeça do
gigante para comer o fruto dos deuses. “Queria ser rico e famoso”.
“Pagaria o preço que fosse para ter o índio como guia”.
Macabeus
ficou surpreso com a investida do garoto. Seu rosto de pão amassado
parecia ficar ainda mais achatado com o que estava presenciando.
“Aventura perigosa. Menino vai quebrá”. Ele tinha que jogar essa
cuia de água fria sobre tamanha loucura.
“Dou-lhe
tudo o que tenho”, disse Zule, mostrando-lhe as pepitas de ouro. Os
olhinhos puxados do índio quase saltaram das órbitas. Ele não
acreditava que veria tanta riqueza nas mãos de um moleque.
“Gigante
Tapuã dorme sossegado. Não pode perturbar sono. Pais antigos contam
que gigante acorda de cem em cem anos. Tempo está perto. Tapuã vai
acordar sem que tribo espere. Devemo ficar longe. Gigante mortal”,
dizia Macabeus. Mas, tudo era em vão. Zule queria enfrentar o perigo
e encontrar-se com Tapuã. A fama e a riqueza era tudo o que ele mais
queria, e pra conseguir isso, enfrentaria esse desafio. Era o
gigante, ou viver toda sua vida na miséria e no anonimato. Ele não
podia ficar para trás. Até seus irmãos tinham destaque. Ele tinha
que conseguir esse fruto. Era sua única e última esperança.
No
dia seguinte, os dois partiram. Macabeus carregava um facão e alguns
suprimentos. Andaram por campos abertos durante toda a manhã. À
tarde, seguiram uma trilha, cercada por juncos verdes. Passaram por
manguezais cobertos pela cheia do rio. Até que à noite, entraram em
uma clareira, aonde tinha duas barracas montadas. Era um ponto de
parada, preparado pelo índio. Iriam passar à noite ali, e pela
manhã entrariam mata à dentro, desmatando um caminho pouco
explorado, indo até o coração da floresta, ao encontro do grande
Tapuã.
Acenderam
uma fogueira e comeram peixe assado. Macabeus ainda tentou persuadir
o menino a desistir da aventura, mas, ao perceber que ele era
irredutível e teimoso, achou por precaução adverti-lo dos perigos
que enfrentaria. “Dizem os antigos, que muitos saíram ricos e
sábios, depois de comerem o fruto. Mas, muitos não retornaram.
Dentro de Tapuã, tem piranhas assassinas, armadilhas mortais, e
abelhas venenosas que entram no ouvido dos homens. Não tem luz
dentro de Tapuã. Lugar de morte. Menino deve voltar”, implorava o
guia.
“Me
dê sua lança e eu matarei esses montros”, Zule respondia, sem
acreditar muito nas histórias antigas. “Um gigante adormecido, é
um gigante sem vida. Não há nada a temer na cabeça de Tapuã. Meu
grande desafio foi ter chegado até aqui. Entrar na cabeça desse
monstro será apenas um detalhe”, pensava o garoto.
Antes
do amanhecer, Zule acordou com o rosnado de uma onça pintada.
Macabeus já estava de pé pronto para seguir viagem. Após a
refeição, seguiram até a encosta de um morro e percorreram esse
caminho durante muito tempo. Ao meio-dia, Zule ouviu o som de um
riacho, e Macabeus apressou o passo dizendo que o rio estava próximo.
Ao
ver as águas correntes, Zule correu na intenção de se refrescar,
mas, foi interceptado pelo índio que lhe mostrou os crocodilos,
prontos para o ataque. “Águas perigosas. Crocodilos, piranhas e
cobras. Menino ter cuidado”, alertou.
Após
percorrerem alguns metros ao lado do rio, chegaram a uma pequena
canoa, escondida entre os arbustos. Remaram durante todo o dia,
passando por corredeiras e quedas d’águas. No percurso, avistaram
antas, araras de várias espécies, alguns micos e dezenas de garças.
A natureza verdejante e pulsante acompanhava o braço do rio mata à
dentro. Era sem dúvida uma paisagem deslumbrante. Zule, nunca
esqueceria as paisagens que passara. Seria uma grande história que
ele teria para contar. Uma grande aventura na floresta.
Atracaram
a canoa em uma pequena ilha no meio do rio. Andaram a pé seco até a
mata. Subiram um monte e caminharam no meio da vegetação. A mata
fechada era de difícil acesso. Grandes árvores cobriam o céu,
transformando o lugar em um cenário escuro e úmido. Os arbustos
arranhavam os braços dos viajantes e os mosquitos cobriam o corpo
deles, ignorando o repelente. O ataque dos mosquitos só melhorou,
após queimarem um galho seco que soltava fumaça e afastava a nuvem.
Encontraram
uma pequena clareira e amarraram as redes. Tentaram dormir àquela
noite, mas o calor era infernal. Os mosquitos brigavam para sugar o
sangue deles, os grilos cantavam, as onças rugiam, e o som de outros
bichos desconhecidos, deixavam-lhes vigilantes, prontos para um
ataque. Passaram a noite acordados, sentindo a ameaça aproximando-se
cada vez mais. Estavam assustados.
Não
perceberam quando o sol nasceu. Sabiam que havia amanhecido porque os
bichos se acalmaram. Pela manhã as presas eram silenciosas. Ficavam
entocadas, tentando sobreviver. À noite, Jaguatiricas fugiam
apressadas perseguidas por predadores famintos. À luz do sol, elas
tentavam ser discretas para viverem mais um dia. Zule e Macabeus só
podiam prosseguir com a luz, mesmo que o sol penetrasse com desânimo
entre as árvores.
Zule
era muito curioso, e tudo que via e não conhecia, perguntava ao
índio. Ele ficara surpreso com alguns buracos no chão, que pareciam
pequenas entradas de ar. O índio lhe explicara que ali havia uma
estrutura complexa abaixo dos pequenos buracos. Eram os chamados
formigueiros. A grande construção das formigas tanajuras. E aqueles
buracos, eram as portas de acesso que elas utilizavam para o
transporte de alimentos e material de construção. Afinal, era
verão, e as formigas trabalhavam até o inverno. Elas precisavam
correr para estocar comida e ampliar o formigueiro.
Ele
também queria saber os tipos de árvores, de frutos e como viver na
floresta. Era decerto, muito curioso.
Até
que chegaram a um pequeno abismo no meio da mata. Uma pequena fenda
no chão que dividia a floresta. “Depois daqui, menino segue
sozinho. Essa é a veia do coração. Menino anda direto e encontra o
gigante. Macabeus não pode ultrapassar. Costume da tribo. Se
ultrapassar Macabeus é maldito. Menino deve ir sozinho”, disse o
índio.
Zule
não tentou convencê-lo, o índio não iria adiante. Porém, ele
pediu que Macabeus lhe esperasse ali. Ele não saberia voltar
sozinho. Ainda precisava do guia para voltar à civilização.
Após
beber água e comer carne seca, Zule partiu com o facão em punho.
Atravessou a ponte sobre a fenda e entrou na região do coração da
floresta. Estava prestes a realizar seu objetivo: comer o fruto dos
deuses e tornar-se rico e poderoso. Ele daria muito orgulho para os
seus pais. Seus irmãos iriam lhe invejar. E seus vizinhos metidos
curvar-se-iam diante dele. Estava próximo da glória e da fortuna,
do êxtase e da realização. Aquele era um grande momento para Zule,
o explorador.
A
primeira coisa que avistou foram os dedos do gigante. Ele só
percebeu que eram dedos por conta das unhas longas e sujas. Se não
estivesse atento, confundiria com um alto monte diante de si. Como
subiria aquela inclinação?
Zule
prendeu o gancho no topo do dedão, e com muito esforço, agarrou a
corda subindo metro após metro. No alto, percebeu suas mãos
sangrando. Limpou-se nas calças e continuo a subir. Era uma escalada
íngreme. As canelas do gigante estavam repletas de musgo e ele não
conseguia apoiar os dedos nas fendas. Agarrou-se a alguns galhos que
cresciam rente ao corpo do gigante. E, firmando-se nos cipós,
alcançou rapidamente o abdômen onduloso.
A
pele de Tapuã era firme como rocha. Escalar a área do tórax foi a
parte mais fácil, era o local de maior apoio para os pés. Ao chegar
aos ombros do gigante, Zule pendurou-se em raízes que saíam dos
ouvidos, e subiu até o lóbulo da orelha.
Dentro
do pavilhão auricular, caminhou até a entrada da concha, e
enfiou-se dentro da gruta enorme e escura. Alguns metros caminhando e
o chão tornara-se escorregadio. Caiu em um túnel apertado que
descia em uma espiral profunda. “Se descesse mais, talvez parasse
no estômago do gigante”, pensou, ao desabar numa poça.
A
cabeça do gigante era uma caverna sombria, lamacenta, úmida e cheia
de mofo. Com a lanterna ligada, Zule seguia a trilha que o livreto
indicava para chegar ao fruto dos deuses. Havia um caminho demarcado
por outros aventureiros, aquele não era um lugar inexplorado. Outros
também vieram atrás do poder vindo de Tapuã. Zule sabia que seria
bem sucedido em sua empreitada. Nunca mais as coisas seriam as
mesmas. Um novo futuro estava por vir.
Alguns
morcegos voavam velozes, assustando o menino. Ele tentava iluminar o
topo da cabeça do gigante, mas o facho de luz não alcançava chegar
tão alto. O que a luz conseguiu focar, foi um morcego ressecado, de
olhos vermelhos, pousado diante dele, dando-lhe um susto e
fazendo-lhe cair.
“Que
queres viajante? Estás perdido?”, o morcego perguntou, com uma voz
rouca e envelhecida.
Zule
foi tomado pelo espanto. Ele tremeu ao ouvir a voz do morcego, mas
não quis questionar o porquê daquela anomalia. Ao invés de gritar
e correr assustado; decidiu iniciar um diálogo com aquele bicho
estranho e falante. “Vim para comer o fruto dos deuses. Vim em
busca de riquezas e glórias. Pode me ajudar?”, ele perguntou.
“Não
vás adiante. O caminho da morte lhe espera. Suba as escadas
auriculares e retorne para casa. O preço que se paga para chegar ao
fruto é alto, e não se pode retornar a partir daqui”, disse o
morcego, mostrando uma ponte de nervos.
“Não
posso voltar. Meu destino é ser grande. Só irei retornar após
comer o fruto dos deuses”, o menino respondeu, determinado a seguir
adiante.
Zule
olhou o mapa cerebral e confirmou sua localização. Estava no
hemisfério esquerdo, lugar de raciocínio lógico, uma área que ele
pouco dominava. Para chegar ao fruto, teria que percorrer um enorme
labirinto, descer por uma espiral no lobo frontal até chegar ao
centro. Seria mais uma grande viajem a realizar, mas ele estava
confiante.
Não
percebeu que estava faminto. O estômago roncou dando sinais.
Encostou-se em uma raiz seca, e comeu maça e chocolate. Aproveitou
para tomar água e lembrar-se de casa. “Como seu pai estaria? Será
que sentiam saudades? Uma semana tinha se passado. Deviam estar
desesperados atrás dele”. Lembrava-se de que todos os dias quando
o pai ia trabalhar, dava um beijo em sua testa. Seu pai era incrível.
Motorista de ônibus incansável. Todos os dias, pontualmente, ele
saía às seis da manhã, e só voltava às seis da noite. Homem
forte e trabalhador. Merecia que seus filhos lhe dessem orgulho.
Zule
caminhou no meio da escuridão. Um emaranhado de teias grossas se
entrelaçava em um ninho viscoso e difícil de ultrapassar. Para ir
adiante, precisou usar o facão e cortar o emaranhado de fios à sua
frente. Em seguida, chegou a um grande salão oval com teto
curvilíneo, que gotejava um líquido gosmento. Um grande lago verde
e borbulhante havia se formado, e piranhas com dentes afiados,
saltavam de um lado a outro, mergulhando naquelas águas ácidas.
“Só
há uma maneira de ultrapassar”, disse o morcego, atrás de Zule.
O
garoto assustou-se e jogou o facho de luz no rosto do morcego
falante. Ele voou pousando em uma fenda próxima.
“Você
quase me mata de susto. Por que está me seguindo, se não vai me
ajudar?”, Zule perguntou, ainda ofegante.
“Não
importa. Você não pode mais voltar. Agora encontre o centro do
cérebro, ou morra aqui”, respondeu o morcego.
“Como
ultrapasso esse lago?”.
“Deves
escalar até o teto e pendurar-se nas alças que lá estão. Não
podes cair nessas águas. Se as piranhas não lhe comerem antes, o
ácido irá corroer sua alma”, avisou o mamífero.
Zule
ficara impressionado. Realmente iria precisar da ajuda do morcego.
Estava com medo. Nunca havia feito isso. Mas, agora precisava ser
corajoso e enfrentar esse obstáculo. Não podia mais voltar, então,
tinha que chegar até o fruto e escapar depois de conquistar a
glória.
“Tenho
uma boa notícia para lhe dar”, disse o morcego observando-o com um
olhar tristonho. “Os musgos que existem por aqui, são poderosos
coagulantes; se por acaso um membro seu for amputado, musgo é o
melhor remédio. Não se esqueça disso”.
“O
que ele quis dizer com amputado?”, pensou o menino. “Enfim, não
podia mais perder tempo”, continuou sua jornada escalando a parede
e pendurando-se nas alças.
***
O que vai acontecer com Zule? Ele vai conseguir ser grande?
NÃO PERCA NA PRÓXIMA SEMANA!